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Acessibilidade na educação: as escolas inclusivas no Rio de Janeiro

by Monique de Andrade Dantas
Como as escolas inclusivas e comuns precisam se adaptar às necessidades educacionais dos alunos especiais na cidade do Rio de Janeiro

Morgana Buscacio sai de casa às 6h30 com o seu carro, no bairro de Bangu, zona Oeste do Rio de Janeiro, para se deslocar ao seu local de trabalho, uma creche inclusiva da prefeitura, localizada no bairro de Campo Grande. Ela repete o trajeto casa-trabalho-casa de segunda a sexta, e retorna para a sua residência às 18 horas. A pedagoga de 37 anos trabalha como supervisora da creche inclusiva pertencente à Secretaria Municipal de Pessoas com Deficiência (SMPD) há dois anos e conhece todos os alunos, educadores e funcionários da instituição pública pelo nome.

A educação inclusiva, segundo o Ministério da Educação e Cultura (MEC), tem como premissa o direito à diversidade. Tem como objetivo o atendimento de qualidade das redes e a inclusão, nas classes comuns do ensino regular, dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Atualmente o programa está em funcionamento em 162 municípios-polo de todo o Brasil. Esses municípios, em parceria com o MEC, oferecem 40 horas para formar os multiplicadores, termo utilizado para denominar os profissionais da educação que se especializam em educação inclusiva. Com esta formação, os multiplicadores formam outros gestores e educadores.

Na cidade do Rio, há seis unidades públicas de creches inclusivas e centros de reabilitação. Na rede particular, algumas escolas se consideram inclusivas, embora tenham um direcionamento mais integrador (com classes especiais separadas das classes regulares). Ligada à SMPD, a creche inclusiva em Campo Grande funciona há mais de 20 anos, dividindo espaço com o Centro Municipal de Referência de Pessoa com Deficiência. A secretaria era chamada de Fundação Municipal Lar São Francisco de Paula (FUNLAR), que foi municipalizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 1983 e vinculada à estrutura básica do Poder Executivo através da Lei n° 4.595, de 20 de setembro de 2007. Foi consolidada em janeiro de 2008 e a missão da Secretaria se baseia no artigo 2º da Lei Municipal e tem como finalidade promover a inclusão de pessoas com deficiência por meio de ações de órgãos municipais, interagindo, impulsionando e executando programas específicos.

A SMPD também oferece atendimento em educação infantil e a base administrativa – o Centro Integrado de Atenção à Pessoa com Deficiência (CIAD) – está localizada no Centro do Rio com o nome de CIAD Mestre Candeia. São oferecidas oficinas para os alunos e familiares, além de cadastramento de pessoas com necessidades especiais, visando à capacitação e a inserção dos mesmos no mercado de trabalho. Ao todo são seis unidades do CIAD espalhados por alguns bairros do Centro e pelas zonas Norte, Oeste e Sul da cidade. A secretária da pasta municipal é a coordenadora da Seleção Brasileira de Ginástica Artística e ex-deputada estadual, Georgette Vidor. Ela costuma visitar as unidades da SMPD para saber sobre o atendimento dos funcionários aos portadores de necessidades especiais.

A creche onde Morgana trabalha tem refeitório infantil, quadra de judô, quadra de ginástica e piscina para as atividades físicas determinadas pelos educadores. Localizada a cerca de três a quatro quadras de distância do West Shopping. Funciona das 8 às 17 horas, de segunda a sexta, no sub-bairro do Mendanha, em Campo Grande. Segundo Morgana, trabalham no local 21 educadores (sendo 20 mulheres e apenas um homem), mais quatro assistentes sociais e três psicólogos. “Todo mundo, antes de entrar na creche, passa pelo sumário social, no qual há uma entrevista com o psicólogo para avaliar o tipo de vulnerabilidade da criança no ambiente familiar e o tipo de deficiência. Os deficientes têm atendimento técnico, de acordo com as deficiências”, explica.           E complementa que por meio dela, das pedagogas e do técnico (um fisioterapeuta, por exemplo) são feitas as avaliações para a matrícula na creche.

No momento da visita ao CIAD Campo Grande, era a hora do lanche da tarde, por volta das 16 horas, quando as crianças estavam sentadas à mesa comendo sanduíches e tomando suco. As mesas eram de tamanho reduzido, totalmente adaptadas para elas, cuja idade varia de um ano e meio a quatro anos de idade. O espaço de recreação fica próximo das salas de aula e berçários. Gisele de Sá, de 33 anos, é a pedagoga responsável e estava vestida com uma camisa da SMPD na cor rosa que identificava sua função. Fátima Oliveira, 47 anos, que também é formada em Pedagogia, ajuda a supervisora Morgana Buscacio na organização das turmas na creche, que vão do Berçário 1 (abriga crianças a partir de seis meses de idade) até o Maternal 2B (última turma da creche, com crianças de três a quatro anos), totalizando seis turmas. As outras profissionais, que são as educadoras, vestem uma camiseta branca e cuidam das crianças de cada turma.

“São aproximadamente 95 crianças matriculadas, sendo 15 com necessidades especiais. Eram 18 alunos com deficiência, mas dois deles foram suspensos por estarem no pós-cirúrgico e o terceiro saiu a pedido do pediatra. Dentro desse número de crianças, há dois deficientes visuais e quatro cadeirantes. Inclusive, para chegar ao segundo andar há rampas, como forma de acessibilidade no local. Em 2013, o número de crianças matriculadas chegou a 113, 114”, explica Gisele. Tudo funciona no primeiro andar e no interior do centro integrado há uma área destinada às práticas esportivas, como ginástica e judô. As principais atividades são Terapia Ocupacional, Psicomotricidade, Psicologia e Reabilitação. Há ainda as salas da Brinquedoteca e da oficina de Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS).

Morgana diz que cada turma tem um horário, com as suas respectivas atividades. “A partir do Maternal, são realizadas atividades extracurriculares e os deficientes têm atividades à parte, determinadas pela direção do Centro Integrado”, explica. Na sala do Berçário 1, a maioria das crianças estava dormindo, menos Dominique, de 11 meses, sem deficiência, que ficou em pé com a cabeça deitada na grade do berço – uma tentativa de lutar contra o sono –, sendo observada por três educadoras, número mantido em todas as salas da creche. Durante os 50 minutos da visita, havia salas onde os alunos participavam das atividades propostas pelas educadoras, respondendo empolgadamente às perguntas delas. No espaço do refeitório, um garotinho de dois anos e meio, chamado Júlio, estava com a cabeça apoiada em uma das mãos, como sinal de desâmino, pois estava sem vontade para comer. “Anda, Júlio! Tem que voltar para a sala! Coma logo esse sanduíche”, repetia uma das auxiliares educativas. E as “tias”, como as crianças pequenas as chamam, insistiam para o menino terminar o lanche logo.

Assim que termina o Maternal 2, último módulo da unidade inclusiva, as crianças são encaminhadas para as escolas regulares da rede pública ou particular de ensino. “Os filhos que completam quatro anos de idade são encaminhados para outras escolas regulares e/ou inclusivas, de acordo com a escolha dos pais”, disse. Segundo a supervisora, as turmas são divididas em grupos, sendo que os pequenos com necessidades especiais são cuidados por outras crianças. A assistente social Cláudia dos Santos disse que o Instituto Benjamin Constant dificulta as visitas dos profissionais da educação inclusiva nas dependências do prédio, pois os responsáveis não respondem aos e-mails e telefonemas para marcar visitações externas. “Eles costumam não responder aos nossos pedidos, dificultam o nosso trabalho de educação inclusiva. O IBC é uma escola integradora que visa predominantemente o atendimento aos deficientes visuais.”

Quanto à hiperatividade de algumas crianças, Gisele de Sá não a considera como um tipo de deficiência, mas sim, um distúrbio. Geralmente as unidades do Centro Integrado de Atenção à Pessoa com Deficiência não concedem entrevistas às pessoas de fora. Somente aos órgãos de comunicação ligados à Prefeitura do Rio de Janeiro, como o “MultiRio”, programa vespertino que apresenta temas ligados à educação na cidade. A secretária Georgette Vidor não autoriza entrevistas com funcionários do SMPD nem filmagens nas dependências das unidades de educação inclusiva.

Quando o relógio marcou 17 horas, vários pais de alunos já estavam na portaria para buscar os filhos. Uma jovem senhora, aparentando cerca de 35 anos, pergunta por Morgana à Gisele. Ela responde que a supervisora não estava trabalhando no dia porque ficou de licença médica, por problemas na coluna. Depois do término do expediente, Fabíola Santos, de 30 anos, também educadora, falou sobre como é a convivência de sua filha Júlia, de dois anos e 10 meses, com os colegas de turma portadores de necessidades especiais. Júlia é neurotípica e teve dificuldade de adaptação em 2013. “No ano passado a Júlia entrou para a creche inclusiva SMPD Campo Grande e ficou por pouco tempo. Não se adaptava ao ambiente escolar e suspendi a matrícula dela. Agora que ela está maior, com quase três anos, eu a recoloquei na creche e é mais cômodo para mim, que trabalho no lugar. Assim é melhor, junto com outras funcionárias, acompanhar o desenvolvimento dela até ela completar quatro anos e se matricular numa escola de ensino fundamental”, conta. Vizinha de Morgana, Fabíola sai de casa bem cedo e volta no início da noite. Vestindo o uniforme da SMPD e monitorando os pequenos, ela dividia a atenção deles com Júlia, morena de cabelos cacheados igual à mãe, que tem olhos cor de mel. Enquanto todos iam embora, a educadora arrumava a filha para elas saírem em seguida. Para ela, é importante ter uma creche inclusiva para que nenhuma criança discrimine a outra e acha o trabalho da SMPD muito bom, por conta do atendimento prestativo das assistentes sociais e das pedagogas.

Enquanto a Creche Inclusiva do SMPD Campo Grande prioriza o tratamento das crianças com necessidades especiais, principalmente cadeirantes, portadores da Síndrome de Down, autismo e paralisia cerebral na rede pública, a ESIL Educacional é uma instituição de ensino particular localizada no bairro da Tijuca, próxima à Praça Saens Pena, na zona Norte. A escola fica num endereço privilegiado da região e a fachada é composta por grades coloridas, visual característico de creches e escolas do ensino infantil. Na entrada há um interfone que chama alguém responsável pela recepção da escola. As paredes da portaria estão enfeitadas com prêmios de reconhecimento educacional e pedagógico recebidos pela instituição de ensino. A venda de uniformes escolares também é feita na recepção.

A entrevista com a responsável da ESIL Tijuca ocorreu na tarde de quarta-feira, 30 de abril, e durou cerca de 40 minutos. O contato com a atual coordenadora do “Projeto Pertencer” do ESIL Educacional Tijuca, Priscila Romero, ocorreu primeiramente por e-mail e depois por telefone. A pedagoga formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi bastante receptiva e explicou sobre a escola inclusiva, que funciona há dez anos. Entrou em 2013 como professora de apoio pedagógico e há seis meses atua na função de coordenadora do projeto de educação inclusiva. Usava uma blusa social laranja e calça jeans, além dos cabelos curtos na altura dos ombros.

Criada em 1981, pela professora Débora Dias Gomes, a ESIL Educacional teve a sua primeira unidade no bairro da Penha, zona Norte. A sua fundação teve como finalidade a educação inclusiva, pois se trata de uma escola construtivista que aceita diversos tipos de alunos, com ou sem deficiência. Em 2004 foi criada a unidade Tijuca e o Projeto Pertencer surgiu no mesmo ano, tendo como base a educação inclusiva, que respeita a diversidade e a forma de aprendizagem de cada aluno. Boa parte dos estudantes com deficiência da ESIL se divide entre os portadores de autismo e de Síndrome de Down. Segundo Priscila, a escola respeita a cota de 5% das classes escolares destinadas a alunos com deficiência, determinadas pelas Leis Federais 7.853, de 24 de outubro de 1989 (regulamentada por Decreto Federal 3.298, de 2 de dezembro de 1999), e 9.394, de 20 de novembro de 1996, com base nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). “Aqui na ESIL são dois alunos por turma, que no total chega a 12 crianças”, conta a pedagoga. São aproximadamente 80 alunos matriculados no ano de 2014.

O projeto inclusivo vem do Laboratório de Estudos, Pesquisas e Aplicabilidade em Ensino e Diversidade. Ele utiliza quatro segmentos de avaliação para a aceitação e matrícula dos alunos neurotípicos e com necessidades especiais: o Diagnóstico, o Plano de Ação Personalizado (para avaliar as deficiências e dificuldades da criança), o Acompanhamento pelos profissionais da escola e as Ações de Continuidade, para detectar o que pode ser feito e melhorado para o aprendizado e desempenho do aluno no colégio inclusivo. Abrange todas as turmas, do Ensino Infantil ao nono ano do Ensino Fundamental, além de atividades extras, no qual as crianças recebem a mediação compartilhada com os alunos portadores de necessidades especiais.

No início da conversa com Priscila Romero, duas crianças corriam pelos corredores do primeiro andar da escola. Eles foram em direção a ela para perguntar sobre os exercícios. “Tia, como é que se faz isso aqui?”, perguntou um deles. “Eu falei para ele que é assim a conta”, rebatia o outro menino. O que perguntou se chama Lucas, de 9 anos, aluno com autismo leve. O outro atende pelo nome de Miguel, que está com 8 anos e é aluno sem deficiência. Em outro momento havia uma fila de crianças que se arrumavam para entrar em sala de aula. “O Lucas veio para a unidade em 2008, quando o projeto já existia”, diz a coordenadora do Pertencer. Quanto às turmas existentes na escola, Priscila explica que todas elas são inclusivas. Exceto o Infantil 3, que não teve demanda de alunos com deficiência para matrícula na turma. Nessas classes há a presença de outro profissional que acompanha o professor nas salas, os mediadores. “Os mediadores ficam o tempo todo ao lado da criança, para auxiliá-la nas atividades escolares e extracurriculares, além de ser uma ponte entre o aluno e o professor”, explica. Os mediadores usam um avental na cor vinho para se diferenciarem dos professores da instituição de ensino.

Priscila Romero estava um pouco ocupada e recebia ligações de pessoas interessadas em matricular os filhos na escola inclusiva. Não entrou em detalhes sobre quanto custavam as matrículas nas turmas. Mostrando bastante conhecimento na área da educação, ela cita os três pilares da educação inclusiva: acesso, socialização e aprendizado. São os termos principais que são aplicados nas unidades da ESIL Educacional, segundo ela. “O processo de inclusão teve início na década de 1990, porém a maioria das escolas não sabe lidar com esse tipo de educação”, critica. Ao caminhar pelas dependências da escola, é possível ver espaços destinados a ateliê e teatro. Neste último, é realizada a oficina de contadores de histórias, que é chamada de “Sala do Conto”. Dentro da sala, várias mochilas estavam separadas nas alças fixas da parede, pois os alunos saíram para a hora do recreio, por volta das 14 horas. Além das oficinas de contadores de histórias, há também as de música e línguas.

É válido destacar também o projeto “Escola de Pais”, no qual os pais realizam uma mediação com os alunos junto aos professores sobre o desenvolvimento educacional dos seus filhos no colégio. Acontece uma vez por mês e as datas dos encontros são marcadas de acordo com a disponibilidade dos alunos e responsáveis da escola construtivista. Existe o rodízio de oficinas durante todo mês na unidade da ESIL, assim como há na Unidade Penha Circular. O ensino de inglês e espanhol começa a partir do sexto ano do Ensino Fundamental.

No segundo andar da ESIL Educacional Tijuca funcionam três salas de aula, cada uma com suas respectivas professoras e mediadoras. Estudam mais crianças do terceiro e quarto anos. Uma delas é chamada de “Sala das Ciências”, que pertence aos alunos do ensino fundamental integral do turno vespertino. Os bebedouros ficam dispostos nos corredores. Do lado da “Sala das Ciências” havia a “Sala da Matemática”, onde a professora passava exercícios para os seus alunos junto com as mediadoras. Os banheiros dos alunos são adaptados totalmente ao tamanho deles, como a altura dos vasos sanitários e as pias para as crianças lavarem as mãos. Como no caso da Mariana, uma criança com Síndrome de Down de quatro anos, que lavou as suas mãos quando entrou no banheiro e saiu correndo de volta à sala de aula. “Você lavou direitinho as mãos? Então vamos voltar à sala”, disse uma das mediadoras de Mariana. Os andares da ESIL Educacional Tijuca se dividem em: o primeiro andar destina-se à Educação Infantil e o segundo andar para os alunos do Ensino Fundamental, totalizando nove salas de aula ao todo. No período da tarde há o Ensino Fundamental 1 e na parte da manhã tem o Ensino Fundamental 2. Quando é perguntada sobre os tipos de avaliação da escola com os seus alunos especiais, Priscila Romero diz que é muito difícil fazer. “Avaliação não é fácil em fazer, para matricular o aluno neurotípico ou com necessidades especiais. Aliás, nem a inclusão do aluno com deficiência numa escola regular é fácil”, explica. E também fala da preocupação dos pais quanto à metodologia de ensino. “Os pais ficam preocupados quanto ao Ensino Médio para os alunos especiais, assim que eles terminam o Ensino Fundamental aqui no colégio. Eles duvidam da capacidade de conhecimento que a criança tem”, conta. A professora cita um exemplo de um aluno do nono ano, que repetiu de série por apresentar sérias dificuldades em português e matemática e também por não conseguir vaga no Ensino Médio numa escola regular.

Priscila Romero diz que as crianças sem deficiência cuidam dos alunos especiais, como se tomassem conta deles. Ela também faz críticas quanto à falta de especialização dos profissionais da educação em relação ao ensino para os alunos portadores de deficiência, em termos de metodologias utilizadas e do preconceito em lidar com alunos especiais, algo que não é realidade na escola inclusiva. “Os profissionais se preparam na prática quanto à educação especial nas escolas regulares e inclusivas, porém a prática é mais difícil. Alguns professores têm dificuldades em conviver com crianças especiais. A lei exige que o profissional se especialize para auxiliar as crianças especiais nas escolas regulares e inclusivas. Mas ainda existe o preconceito com esse tipo de aluno”, explica.

Apesar das políticas de educação inclusiva estar em andamento, com projetos que visam ao desenvolvimento da criança com deficiência, há muitos casos de pessoas que enfrentam dificuldades para encontrar escolas inclusivas para os seus filhos, por conta do preconceito de professores e de outros alunos numa escola regular. Este é o caso de Carla Pereira Betim Paes Leme, de 49 anos, mãe de Caio, de 20, deficiente auditivo. Eles moram numa casa confortável de sete cômodos em Del Castilho, também na Zona Norte. Ela relata que o seu filho não conseguiu estudar num colégio dito inclusivo e, na década de 1990, pouco se falava sobre o assunto. O menino estudou em três escolas, sendo uma em que ele estava como aluno ouvinte e as outras duas eram escolas especiais, chamada por especialistas de integradoras. Chegou a estudar junto com sua prima Fernanda na escola regular. Caio completará 21 anos, em junho deste ano, mas aparenta ser mais velho. Tem cabelos pretos como a mãe e pele morena. Já Carla é de estatura média, cabelos pretos e rosto arredondado. “Em 1996, quando ele foi para a creche, ainda não se falava muito sobre inclusão. Era uma ideia a ser colocada em prática, mas como até hoje não funciona. Tinha que ser uma escola confiável, segura e o tratamento ser igual a dos outros alunos, sem diferença”, explica Carla. Ela lamenta que, mesmo com a boa vontade dos funcionários e professores, nenhum deles estava preparado para lidar com PNE (Plano Nacional de Educação).

O Plano Nacional de Educação traça 20 metas e 10 diretrizes objetivas para a educação para os próximos dez anos. Foi enviado pelo governo federal para o Congresso Nacional no dia 15 de dezembro de 2010 e passou a vigorar a partir de 2011, indo até 2021. O texto prevê formas de como a sociedade pode monitorar e cobrar cada uma das conquistas previstas. As metas seguem um modelo de visão sistêmica da educação estabelecido em 2007, com a criação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Dentro do PDE há estratégias específicas para a inclusão de minorias, como alunos com deficiência, indígenas, quilombolas, estudantes do campo e alunos em regime de liberdade assistida. A universalização e ampliação do acesso e atendimento em todos os níveis educacionais são metas citadas ao longo do projeto, bem como incentivo à formação inicial e continuada de professores e profissionais da educação em geral. Aplica-se também à avaliação e acompanhamento periódico e individualizado de todos os envolvidos na educação do país. Entretanto, segundo Carla Paes Leme, é algo fora da realidade dos alunos com deficiência em relação às escolas regulares.

Por indicação de uma fonoaudióloga, Caio foi matriculado numa escola especial para que não se sentisse excluído e assim melhorasse a sua autoestima. Segundo Carla, poucos são os estabelecimentos que sabem receber alunos com necessidades especiais e ela cita o caso dos concursos de vestibular, em que não é feita uma correção diferenciada nas provas destinadas aos alunos surdos. E as dificuldades aumentaram quando Caio fez vestibular para Tecnologia da Informação no sistema presencial, pela Universidade Estácio de Sá, que é uma instituição de ensino superior privada. “Já no primeiro dia de aula, tive que explicar ao professor como proceder a comunicação, pois a faculdade não disponibiliza intérprete. Tive que conversar na secretaria e ouvi de um funcionário que a universidade não tem intérprete, pois os estudos devem ser por conta do aluno”, conta. Com esse problema, Carla teve que mudar Caio para o ensino à distância, pois, segundo a universidade, as aulas poderiam ser em Libras. Porém a informação não era verdadeira, algumas aulas na Linguagem de Sinais não eram liberadas e outras não existiam.

E o pior estava por vir: as provas que Caio teria que fazer levaram Carla a solicitar um intérprete para ajudá-lo, o que está previsto em lei. No dia da prova, o intérprete não apareceu e Caio desistiu de estudar no ensino superior. O rapaz se especializou em informática, inglês para surdos (módulo Libras), entre outros. Sempre que aparecem cursos de especialização, mesmo não sendo da área de atuação dele, Caio investe para fazer algum. Ironicamente, atualmente ele trabalha como assistente administrativo na Estácio de Sá e só conseguiu o emprego por causa do Centro Integrado de Atenção à Pessoa com Deficiência (CIAD), da prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Gerência de Inclusão no Mundo do Trabalho (GIT).

O assistente administrativo tem uma rotina de trabalho como qualquer outro: bate ponto para entrar e sair, cumpre obrigações burocráticas e é advertido quando algo sai errado. No momento não está estudando, apenas trabalha. Segundo a mãe, Caio tem ótima convivência nos ambientes profissional e pessoal. “Apesar da sua deficiência, ele se comunica bem, se fazendo compreender, e as pessoas o entendem”, diz. Ele conversa com Carla no sofá de sua casa sempre em Libras, gesticulando rápido para expressar o que está dizendo. Carla revela que a dificuldade de acessibilidade para o seu filho na educação vem desde a creche e acredita que isso algumas vezes existe. Caio ainda não se sente realizado nos estudos, pois teve que deixar de estudar numa universidade, devido ao despreparo dos profissionais da educação em disponibilizar o ensino personalizado aos portadores de necessidades especiais, previsto no Plano Nacional de Educação. Futuramente o jovem tentará estudar numa faculdade novamente. “Só que em outro estabelecimento realmente inclusivo e que tenha uma acessibilidade de verdade”, finaliza.

Referência em estudos sobre educação inclusiva, a professora da Faculdade de Educação da UFRJ, Mônica Pereira dos Santos, defende que a inclusão não deve ser restrita a apenas aos deficientes. “Não ligo educação inclusiva às deficiências, diferente dos meus colegas de profissão. A pessoa não é incluída e excluída o tempo todo, pois a inclusão é um processo dialético de minimização da exclusão. É aumentar o direito de participação das diferenças e também o resgate do direito, combatendo a discriminação.”

O encontro com a doutora em Psicologia e Educação Especial pela Universidade de Londres aconteceu na sala 106 da pós-graduação na Faculdade de Educação da UFRJ. Mônica Pereira dos Santos é graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em 1986. Em seu currículo Lattes, Mônica é parecerista ad hoc do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, avaliadora ad hoc da UERJ, sócia da Associação Nacional de Direitos Humanos - Pesquisa e Pós-Graduação, coordenador de pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. É membro do conselho editorial do Instituto Nacional de Educação de Surdos, membro da Associação Brasileira de Psicologia Social, sócia da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial e parecerista ad hoc da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.

Finalmente a entrevista foi realizada em seu apartamento, em Copacabana, na véspera de feriado, pela manhã. Eram nove e meia da manhã. O elevador do prédio tem uma aparência que alterna aspectos antigos com traços mais modernos como, por exemplo, câmeras de segurança no interior dele. O apartamento fica no oitavo andar e quem atende ao chamado da campainha é o marido de Mônica, vendo pelo olho-mágico da porta, acompanhado de dois cachorros idosos – um cocker spaniel de 12 anos e um sharpei de nove anos, dóceis e bastante receptivos com a visita. As janelas do apartamento eram de persianas, de frente para a rua, criando uma luminosidade mais baixa na sala de estar. Mônica demora cerca de cinco minutos para aparecer na sala e começar a responder às perguntas.

Vestindo blusa de alça e bermuda, a especialista em educação estava com um visual totalmente despojado no sofá da sala. Tinha um televisor grande de tela plana e o cômodo era cercado de prateleiras de livros, além de uma mesa repleta de câmeras e lentes fotográficas, pertencentes ao marido dela. Mônica revela que seu filho estuda na Escola de Comunicação da UFRJ, no primeiro período, e deseja cursar jornalismo. “Eu desconfio de todas as escolas inclusivas, pois ainda há aluno sendo excluído dessas instituições de ensino. Classes e turmas especiais acabam excluindo as pessoas”, diz. Para a professora adjunta, a inclusão é um processo de longo prazo. Ela acha que o ideal seria todos os profissionais da educação vencerem o preconceito, incluindo todas as etnias, crenças, religiões, classes sociais e minorias. Sobre a política do MEC de educação inclusiva, iniciada em 2007 e que originou o novo Plano Nacional de Educação, votado três anos depois, Mônica considera a iniciativa boa, mas só prioriza as deficiências. “A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, n° 9.394, de 20 de novembro de 1996) é uma boa política que beneficia a inclusão”, conta. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, com base no Artigo Primeiro, parágrafo segundo, a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

Coordenadora e fundadora do LAPEADE UFRJ (Laboratório de Pesquisas, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação), Monica lecionou a disciplina Inclusiva Educacional e suas áreas de atuação são: inclusão, educação inclusiva, formação de professores e inclusão em educação. Escreveu junto com sua equipe diversos livros, artigos acadêmicos, além de teses e dissertações na área da inclusão na educação. O LAPEADE tem como missão apoiar e promover a participação e a diversidade em educação nas dimensões culturais, políticas e práticas das instituições e sistemas educacionais. E contribuir para o desenvolvimento, disseminação e acompanhamento do conhecimento científico-acadêmico a respeito de inclusão em educação.

Segundo ela, o Instituto Benjamin Constant (IBC), localizada na Urca, zona sul da cidade, tem resistência para parcerias com escolas regulares, embora tenha feito um acordo com o Colégio Pedro II para inserir seus alunos especiais nas classes regulares. É uma escola especial que prioriza os deficientes visuais, mesmo com turmas ligadas a outros tipos de deficiência. O IBC foi contatado por e-mail, porém não respondeu à solicitação de entrevista. Mônica reforça a ideia de que a escola está sendo integradora e não inclusiva ao firmar parceria com uma escola comum. Uma das queixas de Mônica é falta de acessibilidade, referindo-se à mobilidade, nos espaços públicos e privados. E reclama que a universidade é um ambiente elitista que vai demorar bastante para instituir a educação inclusiva no ensino superior. Há alunos cadeirantes que não conseguem se deslocar de uma sala para outra, até mesmo na Faculdade de Educação, o que demonstra a falta de acessibilidade no ambiente universitário. Ela mesma sofre com os obstáculos físicos do prédio e não é portadora de necessidades especiais. “Eu trabalho no segundo andar da Faculdade de Educação e vejo alunos cadeirantes sendo levados no colo por funcionários para chegar até lá. Ficam com muitas dificuldades de locomoção no prédio, pois a construção não está preparada e adaptada para que eles andem sozinhos pelo local”.

A respeito da falta de capacitação de profissionais da educação em conviver com alunos portadores de necessidades especiais, Mônica responde que as causas são desinteresse, ignorância e preconceito por parte desses educadores. Apesar dos contratempos na educação inclusiva, ela acredita que sempre haverá possibilidade de melhorias na área. “Não há metodologia na educação, há metodologias”, observa. E o caso da Carla Pereira Betim Paes Leme se encaixa nas ideias da especialista. “Já vi muitas mães de alunos com deficiência e sem deficiências reclamarem de exclusão nas escolas inclusivas”, revela. Em seus estudos, Mônica tem uma proposta de ensino para minimizar a exclusão das diferenças, apoiando a diversidade e a convivência igualitária. “Nós somos uma sociedade pós-moderna, as coisas de hoje é (sic) tudo junto e misturado. As ferramentas tecnológicas produzem novos sujeitos”.

As cotas, segundo a doutora em psicologia, são um mal necessário. “As cotas são uma política de exclusão, mas são ações afirmativas necessárias. Os excluídos são pioneiros”, declara. Mônica acredita que o processo de inclusão na educação no Brasil acontecerá em longo prazo e muita gente ainda terá dificuldade para se adaptar ao diferente, aceitar a diversidade. Com essa análise, a entrevista longa é encerrada e deu para saber o quanto o tema dessa reportagem é complexo para ser entendido e aplicado à sociedade, que precisa entender o quanto todos são iguais perante a lei. No último dia 22 de abril, a comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o relatório do deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), em que a questão de gênero foi retirada do Plano Nacional de Educação (PNE), no qual o termo “superação” das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade, foi substituído por “erradicação das formas de discriminação”. Isso retoma o texto do Senado que cita o termo como forma de “minimizar” o preconceito, ainda existente nas escolas comuns, com os alunos portadores de necessidades especiais.