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Copa do Mundo de Saunas, acima de 100º C, na fria Finlândia

by Pieter Attema Zalis
Em agosto, o gelado país recebeu o inusitado evento, em que ganha quem resistir mais tempo sob temperaturas beirando os 110º C

Timo KaukonenA Finlândia pode não ter tradição no futebol, basquete ou vôlei, mas não é por isso que deixa de sediar eventos de alcance mundial. Em agosto, o gelado país recebeu a inusitada e calorenta Copa do Mundo de Sauna. O evento acontece anualmente na cidade de Heinola, a 135 quilômetros de Helsinque, capital do país europeu. Os atletas, divididos em grupos de seis competidores por vez, entram na sauna e ganha quem resistir mais tempo sob temperaturas beirando os 110º C. Os dois mais resistentes de cada série se classificam. Os outros quatros são eliminados.


Competidores lutando contra o relógio e um calor infernal. O corpo queima e em poucos minutos fica impossível respirar. Mas diferente dos pecadores fadados a queimar no inferno, os atletas saem do ambiente quando não aguentam mais as temperaturas acima de 100º C. Bem-vindos à realidade daqueles que se aventuram em um dos mais inusitados e calorentos campeonatos do planeta esportivo: a Copa do Mundo de Sauna. O evento acontece anualmente na gelada cidade de Heinola, a 135 quilômetros de Helsinque, capital da Finlândia. Sempre realizada durante um final de semana de agosto, a disputa desse ano será entre os dias 5 e 7 do mês. Como diz o jargão televisivo do futebol, a regra é clara: seis competidores entram na sauna por vez e ganha quem resistir mais tempo sob temperaturas beirando os 110º C. Dependendo das condições climáticas externas, o termômetro das saunas pode ter uma pequena oscilação. Das fases preliminares à final, os atletas, divididos nas categorias masculina e feminina, podem ser eliminados. Os dois mais resistentes de cada série se classificam. Os outros quatros são eliminados. As únicas observações a serem seguidas pelos competidores são a postura (corpo ereto com braços apoiados nas pernas e mãos sem encostar na pele) e as roupas (sunga para os homens e maiô, para as mulheres). Para evitar que os competidores fritem rápido demais, despeja-se meio litro de água morna a cada 30 segundos.


O torneio começou na informalidade. Amigos se enfrentavam anualmente nas saunas públicas de Heinola sem qualquer compromisso ou organização. As regras eram basicamente as mesmas. Mas vendo que o clima competitivo atrapalhava aqueles que só estavam nas saunas para descansar, Matti Nieminen, funcionário público responsável pelas piscinas públicas de Heinola, oficializou a competição em 1999. Daí surgiu uma empresa patrocinadora e 70 competidores dispostos a encarar o desafio. “Foi um grande sucesso, algo que não esperávamos”, afirma o inventor. Mas a real explicação para a existência do campeonato está muito mais ligado a aspectos culturais da Finlândia do que a uma simples disputa de amigos. Saunas foram inventadas no país antes mesmo de sua independência em 1917 e são presença constante no cotidiano dos finlandeses. Durante séculos, eles pariram seus filhos, conservaram corpos antes do enterro e resolveram problemas públicos nas saunas. Como antigamente só havia uma única sauna por vilarejo, cidadãos se reuniam semanalmente no local para acabar com intrigas entre famílias e discutir possíveis melhorias no povoado. “Nós, finlandeses, temos saunas em nosso sangue. Não seria exagero falar que elas têm até ares sagrados”, afirma Jari Kanerva, competidor desde 2008.


Hoje, o número de saunas se expandiu junto com a demografia desse país fronteiriço à Noruega, Suécia e Rússia. Praticamente toda casa possui uma. Resumindo em números, são cerca de duas milhões de saunas para os cinco milhões de habitantes. “Faço todo dia. Tanto em casa quanto no meu chalé de veraneio tenho uma sauna para descansar e treinar”, afirma Ilkka Pöyhiä, vice-campeão de 2009. Nos últimos anos, a Copa do Mundo de Sauna, apesar de não ter se transformado na sua xará do futebol, há muito tempo deixou de ser coisa para finlandês ver. Além da atenção da mídia internacional, que até resultou em um documentário de cineastas japoneses, 2.000 pessoas acompanham o evento a cada ano.  Cerca de metade são turistas estrangeiros. Já entre os competidores, o recorde é da edição de 2008, quando 160 competidores de 23 países participaram do Mundial. Entre os exemplos ilustres, estão “atletas” de Serra Leoa e da China.


Apesar da globalização do campeonato, o papa-títulos continua sendo o país-sede. Apenas o tri-campeonato da bielorrussa Natallia Tryfanava, de 2003 a 2005, e o caneco da russa Tatyana Arkhipenko, no ano passado, quebraram a hegemonia dos anfitriões. No masculino, todos os títulos foram para a Finlândia. O grande nome, uma espécie de Pelé de Heinola, é o pentacampeão Timo Kaukonen. “Treino com ele. Realmente é um talento natural de perseverança e de dedicação”, admira-se Harri Rantanen, competidor desde 2008. “Tenho-o como um mentor”, complementa Jari Kaverna. Muitos o consideram um extraterrestre por sua resistência anormal. Kaukonen nega a superioridade e diz sentir a mesma dor de todos. Talvez seu grande diferencial está na preparação no mínimo surpreendente. Diferente do que muitos podem imaginar, não é ficando o máximo de tempo na sauna que se obtém os melhores resultados. Sempre nos últimos 30 dias que antecedem a Copa do Mundo, esse metalúrgico opta por não se submeter às altas temperaturas. O motivo: poupar a pele de um possível desgaste. Além disso, ele defende o caminho para o sucesso como uma junção de litros de água durante os intervalos e controle da respiração nas disputas. “A grande dificuldade está na falta de ar. Se você perder o ritmo da respiração, terá sérios problemas”, analisa o pentacampeão.


O prêmio final é de 500 euros em produtos de sauna e troféu para o campeão. Os outros finalistas ganham medalhas e todos ainda participam de um sorteio de um cruzeiro pela costa da Suécia. Mas, o principal atrativo não é esse. Os participantes estão lá para se divertir e, principalmente, testar seus limites. “Acabei criando novas amizades que reencontro todos os anos. Apesar de nunca ter chegado às fases finais, só de melhorar minha marca, sinto-me realizado”, diz o germânico Bastian Roet. Mesmo com todos prezando pelo clima descontraído e pouco competitivo existente na Copa do Mundo de Saunas, o objetivo é traçar voos mais altos. Ninguém chega a almejar uma possível Olimpíada. “Existem esportes muito mais interessantes e importantes que mereciam estar nos Jogos Olímpicos”, mantém os pés no chão Ossi Arvela, principal responsável pela organização do campeonato. O grande sonho é profissionalizar a categoria e quem sabe conseguir organizar uma liga com algumas etapas ao longo do ano e prêmios mais significativos. Como finaliza Arvela: “Se pessoas vivem de competições de churrasco nos Estados Unidos, por que não viver de saunas na Finlândia?”

 

As saunas e a saúde

Vista como um dos principais responsáveis pela longevidade dos europeus, saunas podem trazer consideráveis benefícios para a saúde. A forma recomendada é deixar o termômetro na faixa dos 40 a 60 ºC e reservar 15 minutos diários acompanhados sempre por uma ducha fria de aproximadamente 20 segundos. Além da sensação de bem-estar, saunas ajudam a fortalecer a circulação sanguínea, a desobstruir poros da pele e combate doenças como bronquite, gripe e hipertensão. Também relaxa a musculatura, por conta da liberação de ácido lático, e facilita o sono. Em questões estéticas, seu banho hidrata a pele, preveni celulite e melhora o resultado de cremes cosméticos.