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Jornalismo e história em 66 anos de profissão

by Patricia Fiasca
A destacada trajetória de Wilson Figueiredo por alguns dos mais importantes jornais do Brasil

Desde o primeiro contato, pelo telefone, Wilson Figueiredo já demonstrava a simpatia que seria confirmada no encontro para a entrevista. Cheguei ao local marcado com dez minutos de antecedência e ele já estava lá, andando em meios aos livros e observando alguns títulos, mas não parecia realmente interessado no que estava olhando. Vestia um terno preto e uma gravata vermelha, muito alinhado, contrariando um estranho discurso popular de que jornalistas não seriam vaidosos.  Seus cabelos brancos, naturais para um homem de 86 anos, também poderiam representar as seis décadas de sua vida dedicadas à profissão, com uma carreira que se confunde com a história do jornalismo brasileiro. Convidou-me para realizar a entrevista em seu local de trabalho, uma agência de comunicação do outro lado da rua. Nas primeiras palavras trocadas, sua simpatia e bom humor ficaram evidentes. “Olha, vou te dar um conselho: não case cedo, não vale a pena.”


Fui conduzida até uma salinha da agência, que era meio biblioteca, meio sala de reuniões. Havia uma estante com muitos livros de jornalismo e também psicologia – leituras complementares para quem trabalha com pessoas. Ele sentou-se, ofereceu-me um lugar e começamos a entrevista.


Wilson Figueiredo é um contador de histórias. A forma leve, divertida e ao mesmo tempo apaixonada com que conta suas aventuras jornalísticas é fascinante. Talvez porque saiba que viveu um dos grandes momentos da comunicação no Brasil e que estudantes de jornalismo como eu se impressionam com os fatos contados pelos próprios personagens que fizeram a história.


Conversamos sobre sua trajetória como jornalista e sua passagem pelo Jornal do Brasil, onde participou da reforma editorial que viria a transformar o fazer jornalístico no país. Após longos anos de decadência, o tradicional JB buscava um desenvolvimento vertiginoso para recuperar o prestígio e evitar a falência iminente. Odylo Costa Filho estava arrebanhando repórteres e redatores para começar a reformulação do veículo. Figueiredo não só assistiria, mas também seria protagonista desse ambicioso projeto.


Assumiu no jornal uma coluna no Primeiro Caderno, onde trataria de política com uma liberdade maior do que as outras reportagens especializadas. Graças a sua rede de informantes, estava sempre abastecido com informações preciosas. Era o início do sucesso do Informe JB.  Mas seu talento para a editoria política vinha de antes. Em sua passagem pelo Diário Carioca, mantinha junto com Walter Fontoura duas páginas de assuntos políticos semanais na revista O Mundo Ilustrado. Ali, em um grande furo jornalístico da época, publicou que Jânio Quadros pretendia renunciar ao poder como estratégia política. Dez dias depois, o presidente deixava o seu cargo.


Durante todo o tempo da entrevista, Wilson manteve-se sentado confortavelmente como se estivesse em um bate-papo com um amigo na sala de sua casa. Em alguns momentos, dava tapinhas na mesa para reforçar alguma informação. Por um instante, achei que ele queria encerrar: deu um desses tapinhas e perguntou: “então? É só isso?”. Fiquei um pouco receosa de continuar porque ainda tinha algumas perguntas para fazer. Mesmo assim, segui com a entrevista, mas já pensando em acelerar e chegar logo ao final. Pela extensão da resposta e o prazer com que falava, percebi que era o contrário: ele estava gostando de ser entrevistado. Talvez tenha percebido minha insegurança e tenha achado graça. Depois de tantos anos de profissão, os jornalistas devem adquirir uma sensibilidade incrível.


Mesmo sendo o objeto da entrevista, não deixou de lado o perfil de jornalista. Após me contar como começou na profissão, quando saiu de Belo Horizonte e veio morar no Rio, me perguntou por que me interessei por essa carreira e qual era a minha história com o jornalismo até então. Achando graça de termos, de uma hora para outra, invertido nossos papéis, contei-lhe o que havia me feito escolher os caminhos da comunicação. A essa hora nosso bate-papo permitia esse tipo de desvio.


Uma das poucas vezes em que Wilson mudou de tom foi para falar do jornalismo online e o suposto fim da versão impressa do JB. Com um ar mais debochado, disse que eram apenas insinuações: “Eu acho que nunca acabará a coisa impressa”.  Infelizmente suas palavras não se confirmaram. Para ele, o jornalismo online não é um jornalismo de opinião, mas de combate.  A liberdade existente no mundo virtual seria sua qualidade e, ao mesmo tempo, seu defeito. Wilson estava defendendo o veículo em que trabalhara tantos anos. Afinal, havia participado de uma grande mobilização exatamente para evitar sua falência. Aceitar que o fim estava próximo não devia ser fácil.


Chegamos ao final da entrevista e ele me acompanhou até a porta. Desci no elevador ainda encantada com as histórias que tinha escutado. O que não mencionei é que antes de se descobrir jornalista, Wilson ia prestar vestibular para medicina. Ainda bem que trocou os livros de anatomia pelas redações de jornais. A imprensa brasileira agradece.