Imprimir

Quando o clássico vira rock

by Bruno Luiz Silva
O roqueiro Glaucio Christelo, 28 anos, anima com seu piano os clientes do Barra Shopping

Gláucio ChristeloDia 5 de novembro de 2010, sexta-feira. Passava das nove da noite. As pessoas aproximaram-se e rapidamente lotaram uma das praças do primeiro piso do Barra Shopping. Estavam perplexas. Todos olhavam fixamente, teciam comentários, houve até quem chorasse. No centro da multidão, um homem mexia a cabeça e revirava os olhos, como se estivesse inconsciente. Seu delírio cessou por alguns instantes, quando retribuiu os olhares atenciosos dos populares. Sorriu. O público aplaudiu com veemência. Tímido, o homem não sabia como agradecer. Levantou-se, fechou o piano e não se via mais sinal da multidão que habitara aquele pequeno espaço durante duas horas.


E o homem seguiu sozinho. Era Glaucio Christelo, 28 anos. Cabelo encaracolado, olhos castanhos, barba por fazer. Pulseira de couro, calça jeans e all-star azul. Glaucio é um rockeiro que toca piano. Sutil e veloz, mas há instantes de puro rock n’roll em que soca e toca abruptamente o instrumento. Toca com a alma, entrega-se. Guarda a banqueta que faz de balanço, no qual se diverte e diverte a todos. Entrega a chave do piano.


Seguimos até a praça de alimentação do shopping. No caminho, o músico comenta a alegria de tocar para tantas pessoas. Está fascinado, os olhos brilham e não consegue esconder o sorriso. “Foi bom demais hoje. Você viu quanta gente, cara?”. Vi. E acho que passavam de uma centena.


Já na praça, sentamos a uma mesa e pedimos uma água. Glaucio pega o celular e entra no Twitter, seu mais novo vício. Tira a pulseira de couro e é possível ver que o pulso direito está enfaixado, fruto de uma tendinite. “Eu toco cinco vezes por semana, volta e meia tenho shows com minha mulher... não há mão que sobreviva”, comenta. Aliás, é quando fala da esposa que ele fica mais solto. O pianista é casado, há pouco menos de um ano, com Tay Dantas, 28 anos, vocalista da banda Ruanitas. O relacionamento começou ao acaso. “Eu ouvi a música dela no rádio, gostei muito. O locutor disse o nome da banda e eu anotei, pesquisei na internet e mandei um e-mail.”


O destino deu uma mãozinha. A tecladista da banda de Tay havia se machucado e Glaucio foi contratado. Ao conhecer a vocalista, uma surpresa: no braço direito da moça, havia uma clave de sol tatuada. Quando viu a tatuagem, ele sorriu e levantou a manga da camisa no lado esquerdo. E lá estava uma clave de sol também.


A amizade profissional logo deu lugar a um amor que Glaucio descreve no olhar. Parece um menino. Leva as mãos ao peito, sorri sem pudor. O casamento, realizado em dezembro do ano passado na paróquia de São Conrado, na Barra da Tijuca, foi uma cerimônia reservada. Apenas 30 convidados. E a união das claves ocorreu em moldes diferentes do padrão, como conta, em meio a uma risada sem fim: “Quem levou nossas alianças foi o Pingo, meu labrador. As pessoas não acreditaram quando viram o cachorro entrando todo arrumado na igreja. Até o padre riu. No final, eu e a Tay ainda cantamos, fizemos um showzinho para o pessoal. E eu casei de all-star!”.


O músico chama seus cães de crianças. Além de Pingo, o cão-pajem, ele tem um cão chamado Snoopy, em homenagem ao desenho animado. “Amava aquele desenho, me prometi que quando tivesse um cachorro se chamaria Snoopy.” E filhos? Glaucio sorri, passa a mão no cabelo e diz que ainda não está na hora.


O pianista é tímido, mas se solta com o tempo. E é bom observador. Peço um telefone de contato e pego meu celular para anotar o número. Ele vê um pequeno adesivo do Flamengo no aparelho e dispara. “Ah, se eu soubesse que você era flamenguista nem tinha dado a entrevista. Tira isso daí, vai”, brinca o músico, que torce pelo Vasco da Gama.


Não é daqueles que vai a todos os jogos. “Se fui dez vezes ao Maracanã é muito. Meu negócio é música mesmo.” A prova disso está nos dois projetos musicais de que Glaucio participa atualmente. O primeiro é apresentado às terças e quintas no Shopping Leblon e, aos fins de semana, no BarraShopping, sempre às 19h. O nome já diz tudo: Piano Rock. São versões de clássicos do rock no piano solo. O que não anima tanto o pianista. “Acho que depois de um tempo a pessoa cansa de ouvir só piano. Por isso, estou preparando um novo CD com banda. Esse vai ficar bem legal”, declara o pianista, gesticulando tanto que parecia reger uma orquestra.


No trabalho com banda, Glaucio Christelo terá companhia do baterista Kelder Paiva e do baixista Lucas Cuesta, aos quais rasga elogios. “O que eles fazem é um absurdo, são incríveis.”Provoco, perguntando se são tão bons quanto a esposa no palco. Mas ele se sai bem na resposta. “Formariam uma boa banda juntos”, rebate, novamente com um sorriso aberto no rosto.


Christelo: Projeto Piano RockAo lado de Tay Dantas, Glaucio apresenta o trabalho Cristelo (sem h). Ela no violão e ele no piano, numa versão invertida da dupla sueca Roxette. Os dois já emplacaram um jingle para um comercial de cosméticos e fizeram shows nos Estados Unidos. No final do ano, partem para uma turnê na Argentina. E não há nada que empolgue mais o músico que se apresentar ao lado da mulher. Pela primeira vez, ele desvia o olhar. Com a mão direita, brinca com o anel. Com a esquerda, é como se tocasse um piano imaginário na mesa de mármore. Volta e, visivelmente emocionado, declara sua fascinação: “É fantástico. Ela é muito talentosa e a gente tem uma sintonia enorme. Não é só porque somos casados, mas acho que nascemos para tocar juntos”.


É tarde, quase onze da noite. Glaucio diz que tem que ir para casa e brinca: “Se eu não for agora, vou encontrar a mulher com um rolo de macarrão lá em casa”. A conversa foi animada, foi incrível descobrir uma pessoa tão sorridente e brincalhona escondida atrás de um visual rock n’roll e de uma timidez que parecia indestrutível. Ele segue para o estacionamento e pede que eu o acompanhe. Chegando lá, pega um CD do projeto Piano Rock e me dá. “É pela conversa. Depois me manda essa matéria”. E entregarei em mãos. Assim que chegar ao shopping, bastar-me-á procurar um aglomerado de curiosos para saber que lá está ele.