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O barbeiro de Carmo do Cajuru

by Lucas Conrado Silva
Todos os dias Hélio Corrêa viaja 45 km entre duas cidades no interior de Minas para exercer seu ofício de cortar cabelos.

Por volta das 7h30, Carmo do Cajuru, uma cidadezinha de 20 mil habitantes encravada no interior de Minas Gerais, acorda para mais um dia de trabalho. A principal rua da cidade é cortada por inúmeros ônibus, carros, carroças, bicicletas e motocicletas, num trânsito que não perde em nada para o de algumas ruas de Belo Horizonte, a 100 quilômetros dali. É nessa hora que Hélio Corrêa chega de Itaúna, outra cidade do Centro-Oeste mineiro, para mais um dia de trabalho.


Todos os dias, Hélio acorda antes das 5 horas, toma um banho e seu café da manhã, pega a motocicleta vermelha e viaja aproximadamente os 45 km que separam Itaúna de Carmo do Cajuru, pela rodovia MG-050. Ao chegar, Hélio destranca a porta de vidro de um pequeno cômodo alugado, guarda o capacete e a jaqueta que o protege do frio das manhãs do cerrado e coloca na calçada uma plaquinha, onde se lê: “Salão do Hélio”. Em alguns minutos, chegam os primeiros clientes, isso quando eles já não estão na porta, só esperando o barbeiro chegar.


– Teve um feriado que não vim trabalhar. Quando eu cheguei, na segunda-feira seguinte, havia uma fila na porta do salão! – diz o barbeiro com uma risada.


Se a história é real ou não, não é possível saber. Mas é bem provável que seja. Isso porque a qualquer hora que se passe pela porta do salão, vê-se Hélio cortando o cabelo de alguém, enquanto pelo menos mais três ou quatro pessoas estão sentadas no banco de espera, lendo os jornais do dia, jogando conversa fora ou simplesmente ouvindo o papo ali. Fala-se de tudo. O desempenho do Atlético, do Cruzeiro e do América no Brasileirão, a eleição de Dilma Rousseff, o trânsito absurdo da (rua José) Demétrio Coelho... Não importa o assunto que surja, entre um corte de tesoura e um spray de água para umedecer o cabelo, Hélio e seus clientes fiéis, em alguns casos amigos, sempre têm um assunto para conversar.


O que chama atenção é que Hélio não é o único, tampouco o primeiro barbeiro de Carmo do Cajuru. Na mesma rua, inclusive no mesmo lado da calçada, aproximadamente 150 metros à frente, existe outro salão. Descendo mais um pouco para o centro da cidade, outros cabeleireiros e barbeiros passam o dia lendo jornais, esperando um ou outro cliente errante para que possam exercer sua profissão. Enquanto isso, no Salão do Hélio, a conversa continua animada enquanto as pessoas esperam por mais de uma hora, inclusive, para poderem ter seu visual renovado.


No interior do estabelecimento, lê-se em um quadro negro: “Por favor, não saia do salão enquanto espera sua vez”. Isso porque, segundo Hélio, discussões já aconteceram porque pessoas reservaram sua vez, mas sumiram, forçando-o a passar o próximo cliente na frente do primeiro, que surgia no meio do corte.


– Para evitar mais confusões, pus essa regra aqui no salão. As pessoas respeitam e todos saem felizes! – diz Hélio com um sorriso.


Para segurar os clientes, além dos jornais e da boa conversa, Hélio ainda tem uma televisão ligada e até jogos de tabuleiro, para os mais novinhos. Muitos dos meninos que acompanham o pai ou o avô ao salão, ou mesmo vão cortar o cabelo, se distraem jogando damas, trilha ou mesmo jogo da memória. Enquanto isso, Hélio, entre uma tesourada certeira, uma borrifada de água e mais uma passada de máquina, continua o seu trabalho em mais um cliente.


Mal recebe o dinheiro do cliente que atendia, outro já se senta na cadeira. Hélio só tem tempo de beber um copo d’água, coçar o topo de sua careca, guardar o dinheiro no bolso da camisa social que faz de uniforme e voltar para o trabalho. Não é um homem idoso, tem por volta de 45 anos. A pele é clara, os olhos são castanhos e vivos, possui barba e o cabelo das laterais, baixos, sempre bem aparados. Mede um pouco mais de 1,70m, e é magro, tendo um biotipo diferente daquele esperado de alguém que anda de moto 45km diariamente. Quando perguntado sobre o porquê de não ir embora de vez para Cajuru, Hélio responde, sem titubear:


– Ajudo a criar a minha mãe, em Itaúna. Ela é idosa, precisa de cuidados especiais e meus irmãos não podem ajudar, por morarem longe.


Hélio é o segundo de quatro irmãos. Os outros foram embora para São Paulo e Rio de Janeiro em busca de empregos melhores. Ele foi o único que se manteve em Minas, trabalhando muito tempo em um pequeno salão em Itaúna que fechou, antes de conseguir outro em Carmo do Cajuru, por indicação de um amigo.


Enquanto conta um pouco de sua vida, Hélio vai cortando o cabelo de mais um cliente. Com a tesoura na mão, sorri e cumprimenta duas pessoas que passam por ali, volta a se concentrar no corte e continua a dizer, com simplicidade:


– Já tem uns dez anos que tenho esse salão, nunca imaginei que atenderia muita gente. O que é muito bom. Mais do que clientes, a gente acaba fazendo amigos aqui.


Talvez aí esteja o segredo para seu sucesso. A simpatia de Hélio é lembrada por todos os clientes, sendo apontada por alguns deles como o principal motivo para irem ao salão (ficando à frente, inclusive, da habilidade de Hélio como cabeleireiro). Seja qual for o motivo, é forte. Isso porque ele continua cortando cabelos, um atrás do outro, até as 22h, quando fecha o salão e vai embora para Itaúna tentar dormir um pouco. Isso porque no dia seguinte, a jornada começa novamente.