A Elisa por trás da Elisa

by Clarice Cudischevitch
Estrelando “Clandestinos – o sonho começou”, que mostra a luta de jovens atores em uma mistura de ficção e realidade, Elisa Pinheiro revela a sua própria batalha no mundo real

Quando Elisa abriu a porta do apartamento que divide, há um mês, com mais duas amigas, tive uma primeira impressão inesperada: ela está usando lentes de contato coloridas. Achei indagador que, na televisão, Elisa não se importasse em assumir seus olhos castanhos, mas para dar entrevista dentro de casa, ela colocasse lentes. No entanto, deixei passar o fato e me surpreendi novamente. Ela era mais baixinha do que parecia na tela. E o cabelão meio rastafári que ela ostenta em “Clandestinos – o sonho começou”, série da TV Globo, não estava lá. No final das contas, Elisa era bem diferente do que eu havia imaginado.

 


Depois que entramos no quarto, porém, ela liberou a cadeira para mim, se sentou na cama de pernas cruzadas, como em posição de ioga, e pude reparar melhor: os olhos mel eram, de fato, verdadeiros. Tinham um brilho exótico escondido pela TV e que, inicialmente, fez com que parecesse que Elisa usava lentes. Com a roupa toda preta e o cabelo curtinho molhado, ela revelou que já tinha tentado passar para a faculdade de Teatro, mas não teve sorte, e que cursou dois anos de Jornalismo na PUC do Rio de Janeiro. E foi se preparando para ser jornalista que ela teve a certeza de que queria ser atriz. “Um namorado meu da época estava prestando o vestibular para Teatro e me incentivou a tentar de novo”, conta Elisa, entre fungadas que entregavam um resfriado. Ela passou para a Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e, lá, começou a ter contatos e a se construir como atriz.


Antes da conversa começar efetivamente, seu celular tocou. Era Fabinho, ou, para os não-íntimos, Fábio Enriquez, que interpreta o diretor em “Clandestinos”. O colega de trabalho foi adiado para depois e Elisa começou a (tentar) responder a primeira pergunta: Você  prefere o teatro ou a televisão? “Difícil saber. O teatro depende mais da gente, tem mais tempo para ensaiar, então você pode pesquisar e aprofundar o personagem. Você faz teatro mesmo sem dinheiro, acaba sendo a nossa casa. A TV depende muito da sorte e você tem que estar sempre pronto para o personagem, não dá para se preparar muito.”


E antes de cada pergunta mais complicada, Elisa hesitava. Ficava em silêncio, olhava para a cima, para a janela, até que começava a responder lentamente. Aos poucos, ia organizando sua opinião e aí, sim, engatava na resposta. E para a atriz, que tem 30 anos encobertos pelo rosto de menina, as perguntas mais difíceis eram as que tinha que escolher: Qual o momento de maior glória que você já viveu na profissão?, Qual trabalho você mais gostou de fazer?, Qual foi o período mais complicado?. Fosse porque ela tinha muitas respostas ou porque ainda não tinha nenhuma, tais questões acabavam sucedidas por “hmmm...” e um olhar reflexivo.


No entanto, em outras perguntas, ela não vê problema algum – É preciso estudar para ser ator? “Com certeza. Você pode ter talento, claro, mas talento por si só não basta. Lógico que a beleza também conta, principalmente para a TV”. E em relação à ditadura da beleza no meio artístico, Elisa revela incômodo: “A gente se importa, por exemplo, de ver a Grazi Massafera saindo do Big Brother para ser atriz. Pensamos ‘Pô, eu estudei e ela está pegando meu lugar’. Mas é claro que não é nosso lugar, a televisão é assim mesmo”. Sem papas na língua, ela continua o assunto e conta que, no último fim de semana, gravou um comercial com o ator e galã Reynaldo Gianecchini. “Dava para ver que todo mundo estava se sentindo mal, porque ele era muito ruim. Mas é esforçado, pelo menos, porque já melhorou bastante.”


Enquanto respondia, Elisa também se distraía com detalhes. Às vezes, tirava fiapos da colcha vermelha, em outras mexia no nariz, na perna, na mão. Calma e, até mesmo, um pouco séria, ela tem gestos contidos, mas não se contém em falar. Sobre o preconceito que existe contra sua profissão, ela diz que não sente mais tanto hoje em dia, mas que ele ainda está lá: “Se eu trabalho quarta de noite e, durante a tarde, estou na piscina, consigo sentir os olhares, as pessoas pensando: ‘olha ela na piscina, não trabalha, não faz nada’”. E conta, também, que já pensou em desistir. “Um das fases mais difíceis foi quando montei uma peça com o grupo Teatro de Nós com apenas cinco mil reais. Não tínhamos mais dinheiro para continuar apresentando, eu tinha que correr atrás para conseguir patrocínio e não conseguia nada. Parei para refletir se eu estava fazendo o certo, se não devia estar em outra profissão. Mas não consigo pensar em nenhuma outra coisa que eu poderia fazer. Talvez Letras, porque gosto de ler e escrever.”


Ela fala que a profissão de ator é complicada porque é necessário estar sempre correndo atrás. Há épocas em que tem trabalho e recebe convites, enquanto em outras não consegue nada. “Já fiquei várias vezes sem trabalho”, conta, com olhar firme. “Mas eu tenho os meus pais para me ajudarem quando preciso. Então nunca tive a necessidade de encontrar outro emprego. Mesmo quando estava em uma fase ruim, continuava procurando, fazendo testes.” Segundo a atriz, a inveja e a disputa por papéis também fazem parte do meio. “Mas, da mesma forma que tem gente que tenta esconder a todo custo que vai ter um teste, tem aqueles que avisam, te chamam para tentar também.”


Elisa diz que não consegue pensar em nenhum trabalho que não aceitaria fazer: “Se eu conversar com o diretor e vir que é um papel que vale a pena, não vejo problema em ter que mudar radicalmente ou fazer cenas de sexo”. Ela conta, também, que já passou por uma situação assim. “Uma vez, ia participar de um teste para um papel de uma gordinha e eu tinha acabado de emagrecer. Comecei a comer muito e engordei para caramba. Pior é que não passei no teste”, revelou, sorrindo.


A atriz conta que já fez vários papéis marcantes, e um deles foi na peça “Ensina-me a viver”, com Glória Menezes, onde substituiu a atriz Fernanda de Freitas, o que lhe rendeu elogios. “Foi por pouco tempo, mas eu aprendi muito. Sou apaixonada por essa peça, assisti oito vezes para me preparar e em todas eu me emocionava. Tentava ficar fria para prestar atenção na técnica, mas não conseguia”, declara, com sinceridade. Outro papel importante é o que faz no filme “Uma professora muito maluquinha”, com Paola Oliveira, que foi gravado no ano passado e deve estrear em março de 2011.


Já na TV, Elisa conta que gostou muito de uma participação dramática que fez na novela “Páginas da Vida”, na qual perdia o bebê. Teve, também, a série “Por toda a minha vida”, onde interpretou Dolores Duran e, claro, “Clandestinos”. Além disso, Elisa já estrelou inúmeros comerciais.


E a fama? Apesar de não sofrer a perseguição da mídia, pelo menos por enquanto, Elisa não suporta nem compreende a obsessão das pessoas com a vida pessoal dos atores: “Não sei qual é o sentido em existir um site só para falar da celulite das famosas. Qual é o interesse nisso? Eu sei que, sendo atriz, eu me exponho, mas é só um personagem. Eu não encararia bem. Prezo muito pela minha vida pessoal, gosto de sair a pé na rua quando eu quiser”.


Apesar de, no início, os olhos brilhantes e cor de mel se revelarem enganadores, depois eles transmitiram sinceridade e doçura, como se quisessem compensar o truque e dizer: “a culpa não é minha, eu sou assim, diferente, mesmo”. Diante do pedido de uma foto para incrementar a entrevista, a dona deles aceitou prontamente, mas respondeu: “Ai, com essa cara, deixa eu dar um jeito nela”, já pegando os produtos básicos para passar no rosto de menina. “Tô horrível”, reclamou com o espelho. Mas logo deixou de lado as inseguranças sem fundamento e se preocupou com o essencial: “Vou colocar a camisa de ‘Clandestinos’ para fazer propaganda”. Como se Elisa precisasse de alguma.