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Nos bastidores da estética

by Marina Lins
Entre cremes e espinhas, a cearense Céia Gomes exerce sua autoridade de esteticista há mais de 20 anos e soma clientes que viraram verdadeiras amigas

“Essa daqui era enorme. Como você deixou esse bicho crescer no seu rosto?” As mãos nervosas espremiam cada centímetro do nariz da cliente. “Pode ficar quietinha que não sobrará um só cravo para contar a história”, dizia, com um uma ponta de orgulho. Entre cremes e papéis cobertos do que restou de espinhas inconvenientes, Céia Gomes comprova a máxima dos esteticistas: para ficar bonita, é preciso sofrer. Com 64 anos de espinhas e rugas reprimidas pelo poder de cosméticos que usa desde os 20, a esteticista é autoridade no assunto. Céia participa constantemente de congressos em São Paulo, onde passa a conhecer os avanços do mundo dos cremes, e até já esticou sua curiosidade a um curso em Nova York. Contudo, a terra da Avon e de Helena Rubinstein não lhe agradou. Com um bom humor intrínseco, Céia conta que foi muito maltratada no consulado americano e depois no aeroporto por acharem que ela tinha intenção de permanecer no país como trabalhadora ilegal. “Não sou tiete de Miami”, pontifica.


Os tons pastéis da roupa e a touquinha branca que traz empoleirada na cabeça são costumes antigos. Antes de entrar para o business da estética, Céia trabalhou 35 anos como auxiliar de enfermagem. Cansada do baixo salário e do elevado sofrimento inerente à profissão, Céia se aposentou e encontrou, com a ajuda de uma médica amiga, os dividendos da estética. Agora, ela caminha pela zona Sul e pela Barra da Tijuca com três bolsas apinhadas de cremes, agulhas, papéis e, para o delírio dos clientes, amostras grátis que consegue nos congressos que freqüenta. Por ordens médicas, as bolsas às vezes são substituídas por uma mala de rodinhas em benefício das suas costas. Céia trabalha nas casas das próprias clientes e, para economizar passagens de ônibus, faz o périplo a pé. E não cansa de repetir: “ando duas vezes o tamanho da Lagoa por dia”. Apesar da atividade física, o sono não é parte importante da rotina de Céia. A esteticista vai dormir à meia noite para acordar às 4h30, até mesmo nos sábados. E afirma que não é a idade que delimita seu repouso – idade que sempre a espanta ao ser dita em voz alta –, sempre foi assim.


Do trabalho de esteticista, Céia já teve lucros que ultrapassam os financeiros. Com clientes que se tratam com ela há mais de 20 anos, criou diversos laços de amizade. Algumas a convidam para passar fins de semana na serra, outras para festas e aquelas mais afortunadas, quando mudam de apartamento, a presenteiam com móveis e utensílios. Ganha até mesmo os netos que sua filha não quis dar: faz a pele de filhos de clientes que conheceu com poucos meses de idade. A única reclamação que faz do trabalho é da falta de educação de muitos adolescentes hoje em dia. De acordo com a esteticista, alguns gritam muito na hora de fazer a limpeza de pele e não poupam as palavras chulas de seu vocabulário. “A educação de hoje é muito mole. Mole é comer jaca. Os pais precisam educar direito”, protesta.


Essa vida cosmopolita não despista a origem da esteticista. Céia nasceu no interior do Ceará e passou sua infância trabalhando na roça junto com seus 12 irmãos. Fugindo da seca, seus pais carregaram a prole a pé pelas estradas do estado até Pernambuco, de onde despacharam a filha, então com 13 anos, para o Rio de Janeiro. Sem perder o bom humor e o ar de “a vida é isso aí” – e sem desistir por um momento das espinhas que dividem sua atenção com a entrevista –, Céia conta que veio morar em uma pensão na Glória, sozinha. “Fiquei por lá, me formei em auxiliar de enfermagem e me casei aos 18 anos”, resume. Mas logo completa: “fiquei viúva aos 19, com uma filha de um ano”. A testa se enruga por um instante. A próxima etapa do tratamento da cliente logo vence sua atenção, é hora da máscara facial. O momento de tensão se desvanece e a atitude de bem com a vida retorna. “Não casei mais, mas não pense que sou triste e solitária. Namoro e saio muito. Adoro dançar.”


A máscara é retirada cuidadosamente. Mais um, dois retoques e a pele da cliente está pronta. É hora de Céia reunir seu material e rumar para mais um endereço em encontro a mais um rosto povoado de acne. Antes de ir embora, a esteticista pede um copo d’água, que consome em goles lentos e calculados. Para o ano que vem os planos já estão traçados: Céia pretende ir a Portugal, mas, dessa vez, sem envolver trabalho. Para o futuro: “mais do mesmo e, quem sabe, um pouco mais”.