Uma jóia de pastor

by Raquel Jorge
Luiz André Joia, um homem de meia idade, alto, parrudo e grisalho, tem no "chamado de Deus" a motivação para dirigir o templo da Igreja Presbiteriana da Freguesia

O relógio marca 10h40. Lá fora, o belo sol de domingo castiga as folhas da mangueira que lança sua sombra sobre o templo da Igreja Presbiteriana da Freguesia. O culto deveria ter começado às 10h30. Apesar do atraso, algumas pessoas ainda estão no pátio, uma espécie de estacionamento improvisado para os carros dos membros da congregação. Nem todos mantêm contato durante a semana; sete dias é muito tempo. A conversa deve ser posta em dia.

Luiz André Joia passa rápido pelos fiéis. É um homem de meia idade, alto, parrudo e grisalho. Traja um terno marrom escuro, sapatos sociais pretos e camisa branca com gola clerical. Um ou outro o cumprimenta, e ele parece procurar atendê-los com a atenção que os impiedosos ponteiros permitem. A expressão varia do olhar sério ao sorriso.


Ele tenta continuar seu trajeto, na medida do possível. Acompanha-o um presbítero, nome dado aos homens que, eleitos pela igreja, desempenham a função voluntária de “auxiliares” da igreja. Desta vez, o irmão ajudará a conduzir o culto.


Um grupo de jovens reunidos junto ao púlpito em um círculo ainda aberto já o aguarda. Hoje é o dia no qual a União Presbiteriana de Adolescentes completa mais um ano de organização. O pastor Joia troca algumas palavras com eles e, depois, saúda a igreja sorridente a plenos pulmões. Não é um templo muito grande, nem pequeno. Cabem cerca de cem cadeiras.


Os adolescentes se posicionam e ajustam instrumentos e microfones. Louvores, músicas em adoração a Deus, começam a ser tocadas. O pastor está sentado na última cadeira da fileira paralela à parede, perpendicular ao púlpito. Ele recosta a cabeça na madeira e ouve a melodia. “Vem sobre mim e enche o meu ser...”. Parece perdido em pensamentos. Os vincos no rosto e os cabelos brancos se tornam mais evidentes.


Quem vê Luiz André Joia hoje não imagina que até os 39 anos de idade ele não pensava em ser pastor. Casado, pai de três filhas e muito bem empregado em um órgão do governo do estado do Rio de Janeiro, o Instituto Nacional do Ambiente, ele não planejava ir para o seminário. Mas foi o que fez. Como costuma dizer, “Deus me chamou. E quando Deus chama, é impossível para o homem resistir”.


Treze anos e alguns fios de cabelo a menos depois, lá está Joia, agora pastor ordenado, à frente de uma igreja que só faz crescer. Os últimos anos não foram fáceis. Desde que atendeu ao chamado do Senhor, ele têm acumulado funções. Primeiro marido, pai, engenheiro e seminarista. Depois marido, pai, engenheiro e pastor. É desgastante, mas ele não se queixa. Não é difícil ouvi-lo dizer que estava com muita saudade dos irmãos da igreja. Ou, ainda, que está “saltitante de alegria”.


Quando adolescente, ele se envergonhava de levar a Bíblia para a igreja. Fã de Pink Floyd, Led Zeppelin e Santana, o jovem Luiz André tinha medo do que os colegas da rua diriam ao vê-lo com o livro sagrado do cristianismo. Para compensar, hoje em dia carrega sempre consigo uma versão, como o próprio diz, “de bolso”. De pequena ela não tem nada: sua largura e comprimento a tornam maior que o último Harry Potter.


Enquanto canta os louvores, o pastor Joia gesticula muito. Fecha um dos punhos e faz pequenos movimentos para cima e para baixo, como que reafirmando o que canta. Cerra os olhos, ergue os braços em direção ao céu. Mas é na hora do sermão que ele realmente parece estar vivo. 
Falar da palavra de Deus é, claramente, o que Joia gosta de fazer. Lê várias passagens da Bíblia durante a mensagem, defende os fundamentos do cristianismo com argúcia – e, não raro, algumas batidas no púlpito, quando o assunto o deixa exaltado -, argumenta com energia, conta piadas para descontrair e prender a atenção da igreja. É ali que ele realmente deve estar.


Mais uma vez, os ponteiros impiedosos do relógio urgem. É preciso encerrar o culto. A mensagem da manhã é concluída, uma oração é feita e a bênção apostólica é impetrada. Joia fecha os olhos e estende as mãos simbolicamente sobre a igreja. “E agora, irmãos, que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo; o amor de Deus, o Pai e a consolação do Espírito Santo, estejam sobre vós, sobre todo o povo de Deus na face da Terra, hoje e para todo sempre. Amém”.