Odicionário moderno define paixão como um sentimento descomedido em relação a algo, seja ele um ser vivo, inanimado ou uma temática. Diz ainda que é uma força contrária ou favorável a alguma coisa, que cega e impede a razão; é considerada também um fanatismo. Vem do latim passio, que remete a “sofrimento, ao ato de suportar”, e de pati, que é sinônimo de “sofrer, aguentar”. E tem origem em pathe, que os gregos antigos usavam para expressar o ato de “sentir” (tantos sentimentos bons quanto ruins). No século XIV, a palavra ganhou o sentido de “forte emoção, desejo”; e mais tarde, teve acrescido o significado de “entusiasmo, grande apreço, predileção”. Mesmo com todas essas definições, a palavra não consegue abranger toda a extensão, no sentido amplo da palavra, dos sentimentos que o futebol proporciona; e muito menos para quem torce para um dos times de menor investimento, sentimento que consegue ser ainda mais peculiar. Mesmo com todas essas definições, o dicionário não consegue – e nem conseguirá – abranger toda a peculiaridade, no sentido amplo da palavra, que o futebol proporciona, e muito menos de torcer para um dos ditos “times de pouco investimento”, que consegue ser ainda mais peculiar.

Mas pode ser que no dicionário de Charles Calomino a palavra paixão tenha ganhado significado próprio. E o entusiasmo do professor de futsal é todo voltado ao America, já tendo inclusive no passado ostentado bandeiras e esmurrado tamborins da torcida organizada “Inferno Rubro”. Calomino tem quase a mesma idade de fundação da torcida do “Mecão” – ele tem 52 anos e a torcida, 47. Sua relação com o futebol também já tem muito tempo. Dedica-se à modalidade de salão desde os 14 anos – foi inclusive atleta do America –, atividade que lhe rendeu mais de 600 alunos, no clube do coração e no Club Municipal – Associação dos Servidores Públicos, que fica também na Tijuca, zona Norte do Rio.

Charles Calomino (à esquerda) e o pai, Newton Zarani: paixão pelo America de uma geração à outra / Foto: Arquivo Pessoal
Charles Calomino (à esquerda) e o pai, Newton Zarani: paixão
pelo America de uma geração à outra / Foto: Arquivo Pessoal

Quando questionado sobre o momento mais emocionante como torcedor do America, Calomino faz um longo suspiro. Em seguida, passa a mão pelos cabelos rentes aos ombros, molhados de suor, frutos de um dia quente e longo de trabalho como professor da equipe de futsal sub-12, e viaja de volta ao dia 18 de fevereiro de 1987: “America e São Paulo no Maracanã na década de 1980, (Campeonato) Brasileiro... eu tava na geral... ainda tinha geral no Maracanã... Nossa, parece que o escudo do America tava dentro do meu peito... Eu queria entrar no campo pra proteger os jogadores pra ganhar o jogo. Aquele mexeu muito comigo... esse dia mexeu”. A partida que fez o coração de Calomino bater ainda mais forte era a semifinal do conturbado Brasileiro de 1986 (o campeonato só chegou ao fim no ano seguinte) e terminou empatada em 1 x 1 (o gol do alvirrubro foi de Renato). O resultado levou à eliminação do time carioca, pois ele já havia perdido de 1 x 0 no Morumbi. O “Mecão” terminou em 4º lugar.

A relação apaixonada de Calomino pelo esporte bretão é ainda mais forte por causa do pai. O jornalista esportivo Newton Zarani, também torcedor ferrenho do America, é considerado o único jogador vivo no mundo, aos 91 anos, a ter disputado o primeiro campeonato de futebol de salão. O “Charles Miller do futsal” – título dado pelo clássico Jornal dos Sports, já extinto – é um dos responsáveis pela criação e desenvolvimento do futebol jogado em quadra, e foi um dos criadores, em julho de 1954, da Federação Metropolitana de Futebol de Salão, que tornou oficiais as regras da modalidade em todo o mundo. O filho orgulhoso, além de seguir os passos do pai, faz a curadoria dos artefatos alvirrubros dele.