Na sala de um apartamento de classe média, no Humaitá, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, uma jovem de 23 anos oferece um jantar para quatro amigos. O mês de fevereiro já estava na segunda quinzena, quando a atmosfera de Carnaval toma a cidade, e o jantar escapava à folia que começava a pipocar pelas ruas. “Espero que vocês gostem”, disse ela, aparentando estar um pouco ansiosa. Sobre a mesa circular estava o que restou da entrada, uma terrine, tira-gosto similar ao patê comumente servido em fatias. O prato pode ser elaborado com diversos tipos de carne, mas esse, diferentemente das receitas tradicionais, era feito de castanhas de caju. Próximos à vasilha onde estava o quase finado terrine, havia uma massa com as duas possibilidades de molho que compunham o cardápio principal da noite: pesto de shiitake e uma variação do molho Alfredo, cuja base costuma levar leite animal mas foi substituída por um leite feito de castanhas. “Imaginei que a Cat fosse implicar com os cogumelos”, ela explicou, referindo-se a uma de suas amigas. Os pratos pouco tinham em comum, sobretudo no apresentação, mas uma coisa os une: nenhum animal foi morto ou explorado para sua elaboração.
Cientes da proposta do jantar, os convidados ouviram-na, atentos e curiosos, explicar o que estava nas duas travessas de vidro e como ela cozinhou cada uma daquelas comidas. Barbara Fürst, a jovem anfitriã, é vegana há aproximadamente um ano e, para além de uma confraternização ordinária, a reunião com os amigos tinha o objetivo de apresentar-lhes seu novo empreendimento, criado em parceria com o namorado, João Castro Silva: uma marca de alimentos veganos, a Zupaleca. Apesar do nome diferente, as zupalecas, um tipo de alimento criado pela garota, nada são além de bolinhos veganos que podem ser compostos de grãos, legumes, verduras, frutas, sementes e condimentos. Com opções salgadas e doces, são oferecidos em diversos sabores, como croquete alemão, limão siciliano e paçoca.
Finalizado o jantar, a jovem levantou-se de sua cadeira, a mais próxima da cozinha, e para lá se dirigiu, pela direita, passando por entre a cristaleira e a cômoda de madeira adjacentes à porta que lhe dava acesso à geladeira, de onde ela trouxe a sobremesa. As zupalecas de limão siciliano serviram de base para o “cheesecake”, a receita americana de torta de creme de queijo, mas que, em vez do produto de origem animal, levavam um creme de castanhas sob uma cobertura de pasta de amendoim. “João, essas são para eles, não é para você comer”, disse ela, enquanto incluía no cardápio da sobremesa algumas zupalecas de cacau com laranja. Barbara e João, graduanda em psicologia e recém graduado em jornalismo, respectivamente, ambos pela PUC-Rio, são apenas mais um exemplo de jovens que encontraram no veganismo uma alternativa profissional. Motivados pela escassez da oferta de alimentos veganos diversos e partindo da própria experiência com a procura por esse tipo de produto, o casal encontrou uma oportunidade de entrada em um mercado que, acompanhando um público progressivamente mais interessado no veganismo, cresce a cada dia.
Os namorados Barbara Fürst e João Castro Silva, proprietários da Zupaleca (Foto: Marcella Freire)
Pesquisa realizada pelo Instituto Ibope, em 2012, revelou que existem cerca de 16 milhões de vegetarianos no Brasil. Ou seja, 8% da população total no país. Não há pesquisas que indiquem o número de veganos no Brasil, mas, a título de comparação, nos Estados Unidos 50% dos vegetarianos são veganos; já no Reino Unido, eles representam 33% das pessoas que não comem carne. Se essa razão fosse transposta para o Brasil, seria possível dizer, através de uma estimativa conservadora, que ao menos 5 milhões de brasileiros são veganos. Além disso, segundo a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), o número de buscas pelo termo “vegano” no Google cresceu 1000% entre 2012 e 2016. Acompanhando a tendência, o mercado de comidas veganas também vem se expandindo. A SVB estima que já existam mais de 240 restaurantes vegetarianos e veganos no Brasil, além de diversas opções de produtos sem ingredientes derivados de animais em restaurantes e lanchonetes não-vegetarianos. Aos menos 25 restaurantes exclusivamente veganos ou vegetarianos estão localizados na cidade do Rio de Janeiro. Embora a maior parte deles esteja localizada no eixo Centro-Zona Sul, também há opções nas zonas Norte e Oeste.
Versões veganas de produtos originalmente cárneos ou lácteos, como coxinhas, queijos, quibes e linguiças, enchem as prateleiras de mercados e lojas. A demanda por esses produtos cresce tanto que têm surgido lojas especializadas em versões veganas de diversos alimentos. É o caso do Açougue Vegano, no Rio. Criado em 2017, a empresa fica na Barra da Tijuca e vende de churrascos e linguiças a coxinhas de jaca, tudo 100% de origem vegetal. O menu busca agradar aos clientes veganos e também àqueles que nunca cogitaram deixar de comer carne. Esse é, inclusive, um dos objetivos da loja: aproximar aqueles que não conhecem o veganismo e apresentá-los a novas opções de receitas - sem nenhum ingrediente de origem animal. O Açougue Vegano se fez presente no espaço associado da Void General Store e da House of Food, em Botafogo, também na zona Sul. A primeira empresa é uma das franquias da loja-conceito que combina moda, itens de conveniência e bar, e a segunda. uma cozinha comunitária que, a cada dia, recebe um chef ou um cozinheiro para preparar sua especialidade culinária. No dia vegano as opções foram espetinhos veganos, hambúrguer de shiitake e a clássica coxinha de jaca. Evânia Prata, vegetariana há 30 anos, aproveitou a oportunidade para provar novas receitas com a amiga Cláudia Chagas. Aline Duarte, vegetariana havia dois meses, também foi experimentar as variações veganas do Açougue e considera eventos como esse uma oportunidade de aprender mais sobre a culinária vegana. O chef Celso Fortes, um dos criadores do Açougue Vegano, aposta que iniciativas como essa ajudam a levar informação a pessoas que nunca ouviram falar de veganismo.
Atrativos do Açougue Vegano
O chef Celso Fortes fala sobre o empreendimento Açougue Vegano
• As feiras veganas
No fim da tarde do primeiro sábado de maio, o sol já se punha na capital fluminense, mas o Beer Veg estava apenas começando na rua São Clemente, em Botafogo. Em um terreno amplo, com uma cobertura de lona azul e branca e dezenas de barraquinhas de pequenos produtores ao redor, a feira de alimentos veganos e cervejas artesanais já estava cheia. O DJ garantia a boa música enquanto o público se deliciava com os doces e salgados totalmente veganos. Barbara e João vendiam o alimento que elaboraram para sua marca. Começaram a frequentar as feiras como consumidores, mas, após a criação do empreendimento, passaram a estar atrás das barraquinhas como produtores. Os bolinhos, que começaram a ser vendidos em um estabelecimento na zona Sul, hoje são também comercializadas em redes de lojas de produtos naturais e estão marcando presença em várias feiras por todo o Rio de Janeiro. Barbara acha que eventos como a Beer Veg propiciam benefícios para o negócio que vão muito além da prospecção da marca. “Acho que é muito bom para o pequeno produtor, tanto pela possibilidade de visibilidade diante do público, como pela rede que se cria, de contatos com organizadores, outros expositores et cetera”, afirma.
As feiras, como a Beer Verg, têm sido espaços importantes para os empreendedores, mas também para o público degustar os produtos veganos (Foto: Gabrielle Nunes)
A incidência de eventos voltados para gastronomia vegana, que podem ser periódicos ou esporádicos e ocorrem em quase todos os fins de semana, é tão grande que ela afirma que, por limitação de pessoal, acaba recusando convites de exposição em uma feira por já ter presença confirmada em outra. Entretanto, ela alerta que, apesar de poder parecer o contrário, a inserção nas feiras pode não ser tão fácil. “Depende da feira e do que você expõe. Por exemplo, brownies e hambúrgueres já estão sendo suficientemente explorados. Mesmo assim, toda hora surge uma nova marca de brownie e hambúrguer, e aí acaba não tendo espaço para todo mundo, por ser repetitivo.”
No mercado de comida vegana, inovação e ressignificação podem ser a chave. Foi o que aconteceu com os irmãos de criação João Vitor dos Anjos Reis e Catherine Fischer, ambos de 24 anos, que também expunham na Beer Veg. Nenhum dos dois é vegano, mas João Vitor é vegetariano há 5 anos e Catherine, há 2. Quando a mãe e a irmã dela decidiram também parar de comer carne, surgiu a ideia de criar receitas veganas. As criações deram tão certo que em setembro de 2016 os irmãos decidiram abrir a Marajaca, especializada em alimentação vegana - tudo à base de jaca. Desde o lançamento da marca, eles estão presentes em feiras e eventos veganos todos os meses. Anelise Kaippert (vegetariana há 6 anos e vegana desde janeiro) e Ysis Neves (vegetariana desde 2001 e vegana havia 2 meses) são as idealizadoras e organizadoras do Beer Veg, com o objetivo de unir pequenos produtores veganos e cervejeiros artesanais. Empreendedora, Ysis já havia organizado, em março de 2016, o Encontro Veggie, também motivada pela falta de produtos veganos nos mercados. Anelise acredita que os eventos aproximam o veganismo do público leigo, mas critica produtores e organizadores que entram no mercado apenas em busca de lucro: “Eu noto muito que às vezes as feiras crescem por razões oportunistas, porque está na moda. Mas qual é a motivação da pessoa? As minhas motivações para fazer o Beer Veg foram duas: um porque eu apóio o veganismo e gosto de fazer coisas relacionadas a isso e relacionadas à proteção animal; e o que fazia muito sentido para mim era poder reunir o pequeno produtor de bebida, no caso o cervejeiro artesanal, com o de comida. O vegano quer muito saber o que ele está comendo, e ele também quer saber o que está bebendo”.
Anelise Kaippert e Ysis Neves, idealizadoras e
organizadoras do Beer Veg (Foto: Marcella Freire)
Embora as feiras se concentrem majoritariamente na zona Sul, elas têm se espalhado cada vez mais para outras regiões da cidade. O Veg Borá, também organizado por Ysis, é um dos exemplos. Realizada com frequência na zona Norte, a feira, que hoje é mensal, surgiu da demanda do público por eventos maiores. Na intenção de manter o veganismo acessível ao público, a empresária determina que o valor de cada comida não pode exceder a quantia de R$ 20,00 e a renda obtida é revertida para a causa animal. Outros eventos de grande dimensão, que inclusive transcendem os limites da capital fluminense, têm ocorrido em Niterói, como o festival Veggo e a feira Itacoatiara Vegan, evitando que os moradores da cidade vizinha precisem atravessar grandes distâncias para ter acesso à culinária vegana. A pioneira das feiras para os cariocas foi a Primavera Vegana, que acontece quinzenalmente em Botafogo. Além dos expositores de alimentos veganos, a Primavera vai mais a fundo e conta com vendedores de roupas e itens de higiene pessoal livres de crueldade animal. O que parece ser consenso entre produtores e organizadores de eventos é que as feiras veganas contribuem para a diminuição do preconceito que muitas pessoas ainda têm em relação ao veganismo. Nas feiras, o público entra em contato com a filosofia vegana de proteção animal e entende que o veganismo não é apenas uma dieta restritiva, mas um estilo de vida que preza pelo respeito à natureza. O chef Celso Fortes, um dos criadores da marca, estava presente e garante que iniciativas como essa ajudam a levar informação a pessoas que nunca ouviram falar sobre veganismo.
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