Um pequeno galpão localizado na Rua da Lapa, 107, na zona central do Rio de Janeiro, reunia por volta das 20h do dia 25 de maio cerca de 40 representantes de diferentes rodas culturais e vertentes do hip hop espalhadas pelo Estado. Eles discutiam o projeto de lei nº 2799/2017, proposto pelo deputado estadual Marcelo Freixo no último dia 10 de maio com o objetivo de declarar o hip hop patrimônio cultural imaterial do Estado do Rio de Janeiro. Em frente ao galpão, na mesma rua estreita e pouco iluminada, acontecia o confronto entre manifestantes contra o governo Temer e a Polícia Militar. Os sons de explosões e tiros causavam espanto, mas não impediam o mediador da reunião, Diego Moreira, de 27 anos – ou DJ Tecnykko, como gosta de ser chamado – de enfatizar a importância de organização de mobilizações para a aprovação do projeto, que ainda está em tramitação na Assembleia Legislativa fluminense.
A proposta, além de atender a outras reivindicações, prevê que o hip hop e todas as suas manifestações artísticas (breaking, grafite, rap, MC e DJ) devem ser asseguradas e fomentadas pelo poder público sem qualquer discriminação. Em sua justificativa para apresentar o projeto, o deputado do PSOL defende as rodas culturais – durante as quais acontecem batalhas de rima, de breaking e de grafite e encontros de DJs e beatmakers – como um dos meios de divulgação do hip hop, considerando-as como “um dos principais fenômenos culturais de ocupação do espaço público nos dias de hoje”. Se for transformada em lei, a iniciativa garante que as rodas culturais sejam dispensadas de prévia autorização das polícias militar e civil e do Corpo de Bombeiros para serem realizadas, desde que não haja montagem de palcos, arquibancadas e camarotes.
As rodas culturais são o tema do projeto de pesquisa “Arte de rua e resistência”, coordenado pela professora Rôssi Alves, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Cultura e Territorialidades, da Universidade Federal Fluminense (UFF). As informações levantadas pela docente e pelos alunos do curso de Produção Cultural da UFF no campus Rio das Ostras (cidade da Regiãos dos Lagos) foram organizadas no “mapa das rodas”, ferramenta com qual é possível saber onde estão as rodas culturais (ativas e inativas) do Estado do Rio. A reflexão sobre a ocupação artística no espaço urbano e sobre as relações entre os produtores e agentes culturais com o poder público, através de políticas públicas, repressão, silenciamento e resistência, é o objetivo principal do projeto, segundo informações do site www.artederuaeresistencia.com.br.
"Mapas das rodas", organizado pela professora Rôssi Alves, da UFF
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Expressão das ruas do bairro do Bronx, em Nova York, no início dos anos 1970, o hip hop é uma cultura subdividida em quatro manifestações: os DJ, os MCs, os b-boys (e as b-girls) e os grafiteiros – sendo o rap (acrônimo de rhythm and poetry) mais conhecido pelas duas primeiras. No último dia 11 de agosto aconteceu o 44º aniversário do hip hop, nascido da inovação do DJ jamaicano Kool Herc, nome artístico de Clive Campbell. Numa festa em 1973, ao invés de tocar as músicas completas de sua playlist, ele executou apenas as seções instrumentais delas – ou os breaks –, permitindo que as pessoas dançassem por mais tempo. “Quando eu aumentei o break, as pessoas ficaram extasiadas, porque essa era a melhor parte da música para dançar”, disse Herc em 1997. O nome do movimento é a expressão das festas desse período, nas quais os participantes movimentavam os quadris (hip) e saltavam (hop). Foi a partir daí que nasceu o estilo breakdance.
Foi com suas festas no Bronx que Kool Herc inovou e deu início
ao que hoje é chamado de hip hop / Foto: The Guardian
Usando vinis que estavam sendo descartados, os DJs começaram a produzir novos sons a partir do stracting (o arranhar da agulha no disco de vinil no sentido anti-horário), do phasing (a alteração da rotação do disco) e do needle rocking (a produção de eco entre duas picapes onde são colocados os vinis). Apesar de ser considerado o pai do hip hop, Kool Herc não teve sucesso comercial porque seu trabalho nunca foi gravado. Ele, Afrika Bambaataa e Grandmaster Flash são considerados a santíssima trindade do hip hop. Bambaataa, também chamado de Amen Ra (deus egípcio) da cultura hip hop, começou a realizar eventos culturais como forma de retirar adolescentes da rua e acabar com a violência das gangues, e criou a Universal Zulu Nation, um grupo que reunia dançarinos, grafiteiros e DJs. O hip hop, segundo o rapper americano, foi uma reação à massiva execução da disco music em meados da década de 1970, que levou o funk e a soul music de James Brown, Sly & The Family Stone e Parliament a perderem espaço nas rádios. O ritmo chegou ao Brasil nos anos 1980, primeiramente por São Paulo e Rio de Janeiro, mas só ganhou identidade e organização, ainda que bem mínimas, no final da década seguinte. No Rio, as raízes do movimento podem ser pesquisadas nos encontros que aconteciam na rua 24 de maio, no bairro do Riachuelo, na zona Norte.
O Google publicou, no último dia 11 de agosto,
um doodle (versão modificada da logomarca da
empresa usada para lembrar datas especiais) para
comemorar o 44º aniversário do hip hop
Clique na imagem para acessá-lo
O DJ Tecnykko diz que “é preciso dar uma nomenclatura à demanda do movimento e à necessidade de união para lutar contra a repressão sofrida, como no caso do mano do Saara”. O acontecimento mencionado por Tecnykko é de janeiro de 2016, quando três jovens grafiteiros confundidos com vândalos – todos de Duque de Caxias, cidade da Baixada Fluminense, à epoca com idades entre 21 e 24 anos – foram agredidos por seguranças da região do comércio popular da Saara, no Centro do Rio, enquanto pintavam paredes. Entretanto, grafitar locais previamente autorizados, como postes, colunas, muros cinza (desde que não sejam considerados patrimônio artístico), paredes cegas, pistas de skate e tapumes de obras, além do muro da Linha 2 do metrô, é permitido pela Prefeitura desde 2014, quando o então prefeito Eduardo Paes assinou o decreto GrafiteRio. A mesma lei instituiu o Dia do Grafite em 27 de março. A violência contra os três rapazes foi, inclusive, motivo de manifestação do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Rio, Marcelo Chalréo. “São meninos pobres, humildes, de famílias simples, que desenvolvem a arte do grafite no Rio que é permitida por legislação municipal”, declarou ele, em entrevista ao portal G1.
“O movimento nunca se juntou para lutar pelos seus direitos. A ideia é fazer com que o governo, os deputados saibam que existimos. A cultura do hip hop não é legitimada como patrimônio cultural, é apenas customizado.” Essa é uma das primeiras reinvindicações da proposta, já protocolada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), em 10 de maio de 2017. Diego Moreira já está na “cena” – como costuma se referir ao movimento – desde os 15 anos e lembra que, quando começou a frequentá-la, o hip hop tinha um perfil bem diferente do atual. “O hip hop no início dos anos 90 não tinha caráter político ou levantava qualquer bandeira. A função das batalhas (como chamam o evento) era pacificar conflitos entre gangues e tribos rivais.” Ele ainda ressalta que, no Brasil, o estilo musical, diferente dos Estados Unidos, é de cunho educacional e cultural, e atualmente reúne adeptos de todas as classes e esferas políticas.
MCs reunidos na Lapa discutem o Projeto de Lei que busca o
reconhecimento da cultura do hip hop / Foto: Wellerson Soares
Mas há quem divirja do DJ, como o pesquisador e professor da Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Micael Herschmann. Sentado numa cadeira em frente ao computador, com uma camisa social azul-marinho e o queixo apoiado na mão esquerda, ele nos recebe com um sorriso no rosto, mostrando-se bem educado e solícito durante o tempo todo. E assim, então, ele começa a falar sobre suas experiências e estudos na área da cultura do hip hop, que deram no livro “O funk e o hip hop invadem a cena”, lançado em 2000. Por isso, diz, vai contra o pensamento que afirma que o movimento começou com um caráter apolítico. “Eu acho que a música desempenha um papel político, eu estou discordando deles diretamente. Mesmo o funk, que era considerado um entretenimento inconsequente, ele era político.” Herschmann defende também que o hip hop deu voz aos moradores de favelas e periferias, além de ter sido importante para a revitalização do movimento negro. Ele acredita que durante os anos 1990 o ritmo serviu para que essas pessoas marginalizadas social e culturalmente pudessem ter expressão. Mesmo acreditando que hoje em dia o movimento tem mais legitimidade, o pesquisador teme que possa haver um retrocesso na garantia dos direitos sociais – por causa da política conservadora dos governos vigentes.
O professor Micael Herschmann fala sobre o hip hop
• Batalha de rimas
“As rodas culturais são uma teia de artistas e trabalhadores independentes, como poetas, fotógrafos, MCs, músicos, grafiteiros, artistas plásticos, artistas circenses, atores, profissionais do audiovisual, esportistas urbanos etc. Essa rede unifica, intensifica e expande a sustentabilidade da cultura de rua dos bairros cariocas, unindo pessoas de diferentes classes, em um grande intercâmbio cultural, onde todos estão convidados a interagir com qualquer tipo de arte que fortaleça essa grande conexão entre a rua e seus artistas urbanos independentes no palco mais vivo, verdadeiro e democrático existente, a rua”
Trecho da descrição das rodas culturais na página oficial do CCRP no Facebook
Em meados dos anos 1990, quando surgiram as batalhas, um grupo de jovens se reunia e formava rodas nas ruas, em praças ou espaços públicos, para um duelo de “estilo livre”, que consiste basicamente em um MC “atacando” o outro com rimas. Ao final, é o público quem decide sobre o vencedor. Foi em 2003, com a Batalha do Real (BDR), na Rua Riachuelo, na Lapa, região central do Rio, que as rodas começaram a criar uma certa regularidade e organização, chamando cada vez mais atenção para si. Alguns dos MCs da região decidiram transformar a brincadeira em evento, com palco, microfones e caixas de som, ainda que fossem equipamentos amadores. Além do mais, a frequência de encontros era semanal e era dado um “prêmio” ao vencedor com o dinheiro arrecadado a partir da cobrança de entrada, de R$ 1,00 a R$ 2,00. Desde o começo a BDR se deslocou algumas vezes para diferentes espaços da Lapa, e até se transformou em outro evento, a Liga dos MCs. Só voltou a ser o que era em 2016, apesar de, em 2003, já ser considerada um espetáculo, a vanguarda do que hoje são as rodas culturais.
Era no Centro Interativo de Circo (CIC), na Fundição Progresso, que os b-boys, grafiteiros e DJs, além dos MCs, se reuniam e organizavam debates, exposições, oficinas, dentre outras atividades que estimulavam a produção cultural e unificavam o hip hop. A cada dia da semana alguns desses projetos aconteciam. Em um deles havia a Batalha do Conhecimento, que, diferentemente da BDR, tinha como proposta fazer com que os MCs rimassem a partir de um tema previamente estabelecido, sem que descambassem para ofensas pessoais. O administrador do CIC, Gerard Miranda, considerava o local como a “casa do hip hop carioca”, pois dava espaço para todas as expressões do movimento. Em 2009 houve um incêndio no CIC e, mais uma vez, os artistas se sentiram órfãos, pois não tinham mais um local de encontro. Eles então voltaram para a rua e organizaram rodas culturais. Alguns MCs de outras batalhas e artistas de outros encontros começaram a participar e perceberam que poderiam transformar aquilo em um circuito, não só pela Lapa, mas em outros bairros da capital, surgindo, assim, através de uma união entre as rodas, o Circuito Carioca de Ritmo e Poesia.
O CCRP começou como uma colaboração em conjunto entre os encontros da Lapa, Botafogo (zona Sul da cidade), São Cristóvão/Manguinhos, Bangu (zona Norte) e Freguesia (zona Oeste). Dropê Comando Selva, poeta, produtor cultural e coordenador do circuito, é quem organiza o projeto. Além disso, atualmente, outros encontros, que acontecem semanalmente no Méier, Vila Isabel, Olaria (zona Norte) e Recreio (zona Oeste), também fazem parte do núcleo da organização. Os demais eventos – segundo o site “Artes de Rua & Resistência”, são mais de 80 espalhados pelo município – também são abraçados pelo CCRP, fazem parte da agenda, mas não respondem por ele.
O hip hop se mostra eficiente quando se trata de unir pessoas, principalmente as que não se sentem confortáveis com a grande mídia ou, mais amplamente, com o sistema – considerado como o conjunto das ideias, regras, leis e das instituições sociais, econômicas, morais, políticas e culturais de uma sociedade, às quais as pessoas se subordinam. E não são só os jovens da periferia que frequentam o espaço. Uma visita a uma roda cultural mostra que o movimento atrai pessoas de idades, culturas, experiências e estilos de vida diversos. Mas quando o objetivo é assistir ou participar do evento, todos parecem estar sintonizados. O “ritual” é quase sempre o mesmo: antes das atrações começarem, o DJ aquece o público, ainda muito tímido, com uma setlist de rap nacional e internacional. As pessoas vão ouvindo o som e se aproximam, outras são atraídas pela curiosidade, algumas que já conhecem o evento esperam uma maior movimentação para aparecer. Mas a maioria chega em grupos, alguns uniformizados da escola ou vindos do trabalho, outros apostam em roupas com menos extravagância, mais “normais”, e há também os bem arrumados, no estilo hip hop nova-iorquino: camisas largas, bermudas caídas, bonés, relógios e cordões.
O hip hop atual, defende Herschmann, vem atraindo bastante a atenção das pessoas, não só as marginalizadas, pela necessidade que elas têm de transgredir, de se opor. “Eu acho que, pela maneira como é construído o rap, ele tem uma estrutura que permite a você fazer um discurso verborrágico muito poderoso, tudo isso cativa os jovens”, avalia. Ele afirma que, por tais características, o ritmo atrai outros movimentos sociais, para além dos da periferia, que se identificam com a rebeldia e a afronta ao sistema. Sem excluir os que estão há mais tempo no cenário, o professor da ECO também fala sobre “um núcleo mais tradicional” que vive o hip hop para combater os ataques da hegemonia e defender as minorias do preconceito.
• Um casamento cultural
Na roda cultural, enquanto a música toca, o grupo de b-boys se apresenta, nada muito formal, cria-se uma pequena roda em volta deles e o público aprecia a arte. A dança flui naturalmente com o ritmo; uma coisa parece ser feita para a outra, como em um casamento de culturas. O DJ improvisa nos beats e mixes e os b-boys nas acrobacias e expressões corporais. Os organizadores dão o ponto de partida para as “batalhas” chamando atenção do público para o centro do evento. Os MCs inscritos (geralmente há uma lista de inscrição no próprio dia para quem quiser participar) se preparam para o show, os grupinhos que, até então, estavam separados na chamada panelinha – um grupo fechado de pessoas com maior proximidade umas das outras – se transformam numa grande plateia. Eles esperam o sinal que indica o começo da batalha e já se preparam para gritar juntos, comemorar e, por ser uma decisão de voto popular, elegerem o campeão da semana da batalha de MCs.
Outra vertente do hip hop também está presente no ambiente, mas geralmente no plano de fundo. O grafite se mostra espalhado por toda parte, independentemente de onde seja a roda. Se há espaço para pintar, os grafiteiros vão atuar. Nas rodas que acontecem sempre em um mesmo espaço, a arte deles já está estampada. São poucos, atualmente, os muros que não tenham alguma intervenção dos artistas, mas, caso seja um evento de intercâmbio cultural, será fácil ouvir os sons de latas de jet balançando e do spray saindo delas para chegarem ao encontro das “telas” em branco e transformarem-nas em uma obra-prima urbana.
Usando muletas por ter se acidentado pintando em uma incursão pelo Morro da Providência, Ramon Vellasco, 22 anos, com o casaco azul e a bermuda larga sujas de tinta, relembra os setes anos de sua trajetória como grafiteiro. A pausa na pintura para responder às perguntas permite que os presentes na reunião vejam os primeiros traços do que em poucos minutos se tornaria o rosto de um homem. “Eu faço grafite há quase 7 anos. Comecei em 2010, mas na verdade eu me vejo dentro dele desde os 6, 7 anos de idade. No movimento hip-hop eu posso dizer que participo desde 2010 mesmo, quando eu comecei a ouvir mais a história e as experiências de quem me introduziu ao graffiti.”
Os contornos do grafite feito por Ramon Vellasco aos poucos
ganham forma, durante reunião na Lapa / Foto: Gabriel de Martin
Tentando se equilibrar sobre o pé direito enquanto fala, o rapaz também diz como se tornou um adepto do movimento cultural. “Eu sempre tive essa curiosidade pelas intervenções. Quando acompanhava meu pai ao trabalho, nós íamos de metrô ou ônibus e todo esse percurso era um mundo estranho, porque uma hora a pintura estava lá e na outra, não”, ele relembra. Morador da zona norte do Rio desde a infância, Ramon conta que só se profissionalizou no grafite em sua passagem pelo sul do país, quando foi morar lá. “No Rio Grande do Sul eu fui me descobrindo e vendo que podia fazer graffiti e aprender muito com isso. E o momento foi muito importante pra eu colocar pra fora as coisas que eu estava sentindo.”
Em outro lugar da cidade, mais uma roda cultural tem início. Às noites de quarta-feira no Meier, bairro da zona Norte, na praça que leva o nome do evento cultural, os personagens principais da noite de batalhas chegam por volta das 20h30, apesar do evento ter como horário inicial oficial as 19h. Comandados pelo ritmo do DJ Felipe Broa, os 32 MCs duelam na modalidade “Batalha de Duplas”, criada pelo Mestre de Cerimônia Dom Negrone. Com a pompa de verdadeiros pugilistas, os jovens vão chegando, cumprimentando uns aos outros e aquecendo para mais uma noite de entretenimento. O espaço, que antes era dominado por moradores de rua, hoje é o principal palco da cena hip hop na região, conta Felipe Broa.
Duelo de MCs, cercados durante “Batalha de Sangue”, no Méier / Foto: Wellerson Soares
• De Magno a Magnata
Magno Alexandre, de 21 anos, às voltas com o estúdio em Nilópolis, na Baixada Fluminense, grava mais um som que, segundo ele, “promete”. Apesar de garantir que está em uma fase mais madura, Magnata MC, como prefere ser chamado, diz que a inquietação, enquanto estava sentado no sofá do estúdio para dar entrevista, revela a preocupação em coordenar as respostas às perguntas com o pensamento dividido no projeto final do curso de Letras na Universidade Estácio de Sá em Nova Iguaçu, cidade vizinha a sua, e a produção de um novo hit, denominado “Dissabafo”.
Com o visual habitual de todo Mestre de Cerimônias – camisa do jogador LeBron James, do Cleveland Cavaliers, time da principal liga americana de basquete, boné oficial da NBA e um longo calção da seleção espanhola de futebol –, o jovem contou que atua há nove anos dentro do movimento hip hop como MC. Desde garoto já acompanhava a cena cultural, e, a partir dos 12 anos, começou a compor as próprias letras, para expressar suas ideias. Ele fala que, passados os anos, conquistou amadurecimento com o hip hop, a que chama de “válvula de escape”; e também sobre como a expressão musical lhe possibilitou compreender a sociedade e a ser mais empático. A história de Magnata se confunde com a de diversos personagens do movimento. O que difere é o acesso ao ensino superior, possibilitando maior fonte de conhecimento na hora da “batalha”. Fã de política, usa a credibilidade adquirida com a fama para expressar pontos de vista a respeito da situação atual do país. Apesar de muito jovem, já fala com a propriedade de um veterano sobre as transformações que pôde presenciar no hip hop. “Na época que comecei, nem havia esse circuito de rodas que ocorrem hoje. Só havia uma batalha no Rio, que era nos Arcos da Lapa, toda quinta-feira. Lá, se encontravam MCs de diversos pontos do estado. Hoje há rodas por toda a cidade. Fora o crescimento exponencial do público, diferente da época em que comecei, aonde haviam mais MCs do que ouvintes nos eventos.”
Entre uma resposta e outra, faz uma pausa para conferir o processo de produção da música. Mas não esquece de exaltar a união dos movimentos e a humildade dos integrantes, e de fazer críticas às casas de shows e boates que dão preferência a outros ritmos e não contribuem para a difusão do trabalho dos artistas. “Todo mundo que chega nas rodas com respeito é bem recebido pelos MCs da região e pelo público. Nossa representatividade é bastante significativa, é ela que faz a cultura de rua sobreviver.” E mesmo não tendo tanto espaço na mídia tradicional ou nas casas de shows populares, ressalta que a união dos artistas dá oportunidade aos MCs para se apresentarem, evoluírem, “solidificando o rap nas cidades”.
Magnata (3º da esq. para a dir.) ao lado dos integrantes do Bonde da Stronda,
antes de abrir o show do grupo em Magé / Foto: Reprodução/Facebook
Micael Herschmann, aliás, também trata das mudanças no mercado fonográfico nos últimos anos. Autor de artigos e outros livros que têm a cultura como tema, ele fala sobre como os artistas são remunerados por seus trabalhos não apenas a partir da cena do hip hop mas da música em geral. Se antigamente os grupos tinham seus ganhos baseados na venda de fonogramas, atualmente eles têm origem nos shows e nas apresentações e nos serviços de streaming que estão se estruturando agora no mercado. O professor explica que, antes, as gravadoras conseguiam produzir CDs que atingiam vendas expressivas e deu como exemplo o quinto disco de estúdio do grupo Racionais MC’s, “Sobrevivendo no inferno”, que, mesmo tendo sido lançado por uma gravadora independente, vendeu cerca de 1,5 milhão de cópias. “Hoje o músico de hip hop, mais do que nunca, depende das suas redes [sociais] e dos fãs. Assim, o grande trabalho que tem que ser feito hoje pelo artista é o de manter o seu prestígio junto aos fãs”, explica.
Dissabafo - Magnata MC