Amor.com

by Débora Moreno
Os relacionamentos na era da internet

Era quase Natal no Upper West Side, um bairro do distrito de Manhattan, em Nova York. No meio da noite, Joe levantou da cama sem ainda apresentar indícios de cansaço e ligou o notebook, a única fonte de luz do escritório repleto de móveis de madeira. O grande cachorro caramelo de nome Brinkley dormia um sono tranquilo embaixo da mesa sem se importar com o barulho das teclas batidas. O homem buscava desabafar para Shopgirl sobre suas inquietações e como tinha se tornado a pior versão de si mesmo. Digitava rapidamente contando como procurava atingir de forma brutal quem o provocava. Do outro lado da linha, já na manhã seguinte, Kathleen sentou-se ainda de pijama em frente ao computador portátil que repousa sobre uma mesa de madeira de estilo vintage. Ao seu lado, uma estante branca com uma enorme quantidade de livros. As paredes alvas refletiam a claridade vinda da janela aberta. Atrás, a cama ainda desarrumada da noite anterior. Ela contava a NY 152 sobre se sentir o contrário do que ele dizia sentir. Não conseguia responder quando era atingida e se sentia mal por isso. Ele sugeriu que seria maravilhoso se pudesse passar um quê de maldade para ela e divagou sobre como o remorso atinge alguém depois de um ato mais duro. Por fim, Joe escreveu: “Acha que devemos nos encontrar?” E, hesitando por um momento, apertou o enter. Estupefata com o que tinha acabado de ler, mais precisamente com a frase, Kathleen deixou escapar a última palavra da pergunta em voz alta e uma súplica a Deus. Por fim desligou o aparelho ainda incrédula. O filme “Mensagem para Você”, de 1998, com os atores Tom Hanks e Meg Ryan nos papéis principais, mostra a trajetória de duas pessoas que se conhecem por email ese apaixonam. Embora faça parte de uma peça ficcional, a história por trás da paixão de Shopgirl e NY 152, seus nicknames no bate-papo, não pode ser chamada de impossível fora da fronteira da ficção. Na verdade, ela é a realidade de muitos casais da atualidade.

Em um apartamento de tamanho modesto na Ilha do Governador, zona Norte do Rio de Janeiro,  vive Samanta Vicentini, Rodrigo Rebelo, Vinicius – o filho de Samanta de um outro relacionamento, um menino de seis anos elétrico e com gosto por tecnologia – e uma calopsita, que o vendedor da loja garantiu ser um macho. As paredes brancas da sala constrastam com o sofá azul-escuro, a mesa e puffs amarelo-ovo e com os brinquedos dos dois lados do rack com uma grande televisão. Na tela, um canal com desenhos para distrair o menino, mas que não provoca interesse. Ele está distraído com o jogo “Sonic” no smartphone e ocasionalmente vem mostrar seus progressos no game. O casal prepara-se para sentar atrás da mesa e Samanta, usando um vestido listrado azul e branco com mangas curtas, deixa aparecer uma tatuagem de coração com uma fechadura no meio. Ela pede docemente que Vinicius fique quieto para a “mamãe conversar” e o menino senta no canto do sofá com olhos já vidrados no celular. Rodrigo tem os cabelos raspados e barba por fazer, usa óculos, bermuda amarelo-ovo e uma camisa cuja estampa é uma paródia do disco “Abbey Road”, dos Beatles, entretanto os personagens atravessando a faixa pertencem a outras séries. No lugar do nome da banda está escrito “The Masters”. Nas pernas, abaixo do joelho, algumas tatuagens referentes ao mundo nerd. No braço, uma tatuagem de uma chave. Pergunto se as duas tatuagens têm uma relação e, sim, ele tem a chave do coração dela. Além dessa, os dois possuem uma outra com o inscrito “Vini”. Ele senta-se após ajudar Samanta a limpar a mesa com um pano. A história do casal não é uma história de cinema como a de Kathleen e Joe, mas tem uma mesma origem: a internet.

Eles se conheceram em maio de 2012. Ela tem 29 anos e é natural de Ribeirão Pires, cidade localizada na região do grande ABC de São Paulo, mas vivia na capital do estado a trabalho. Ele nasceu e está até hoje na Ilha do Governador e, assim como ela, é formado em Marketing e trabalha com a área digital. Os dois possuem perfil no Twitter, uma rede social representada pela figura de um passarinho azul na qual os posts devem ter até 140 caracteres. O algoritmo do site sugeriu que Rodrigo a “seguisse” – seguir  alguém é acompanhar seus posts, ou melhor, tweets. Ele viua foto dela, os amigos e a carreira em comum e decidiu clicar em follow. Quando Samanta percebeu o novo “seguidor”, seguiu-o de volta apoiando-se nos gostos e amigos compartilhados por ambos, mas sem “intenção nenhuma”, ela afirma, devido a um antigo relacionamento fracassado. “Com um carioca, inclusive”, ela completa. Primeiro falavam sobre assuntos aleatórios e depois já perguntavam sobre o dia do outro, se iriam ao show do Planet Hemp, compartilhavam músicas. Depois passaram a trocar áudios pelo celular. Quatro meses depois Rodrigo iria para São Paulo. Eles começaram a namorar no mesmo dia. “Pelo Whatsapp (um aplicativo de conversas)”, ele ri. Estavam separados por somente um cômodo. Após um ano de namoro à distância se viram morando juntos no apartamento em que vivem atualmente, mas com um colchão e uma geladeira. Em fevereiro de 2014, assinaram em cartório a união civil. Haverá um casamento, eles garantem, e será em uma praia. A briga fica só na escolha dos padrinhos, porque  “Rodrigo tem muitos amigos”, ela fala olhando para ele, que apenas ri.

Antes do surgimento das redes sociais, os internautas tinham o costume de entrar em sites de bate-papo. Para acessar um, bastava cadastrar um apelido e escolher uma das opções entre preferência por idade, sexo, religião e uma infinidade de opções. Dessa forma, Janete Moreno e Eurico Cardoso encontraram-se pela primeira vez em maio de 2008 em uma “sala” do portal BOL para pessoas entre 45 e 50 anos. Ela, a “Branquinha”,  uma administradora viúva, já estava de saída quando “O carioca”, formado em Contabilidade e também viúvo, entrou. Após migrarem para o MSN (uma espécie de chat no qual os contatos eram adicionados a partir do email) e conversarem durante uns dias, resolveram encontrar-se pessoalmente e começaram a namorar. Nesse ponto, a história dos dois já tinha elevado-se ao status real. O casamento veio em oito de dezembro de 2011.

Cristiane Costa, doutora em Comunicação e Cultura e coordenadora de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizou uma pesquisa sobre sites especializados em relacionamentos. Há 15 anos, a então professora substituta da disciplina Técnica de Reportagem 2 da UFRJ ficou fascinada pelo universo dos dating sites. Entrou no maior representante brasileiro do gênero, o “Par Perfeito”, a fim de entender a dinâmica daquele ambiente. Tornou-se a “Cris 7778” e completou o perfil com informações reais, como a profissão e a idade, mas via ali um objeto de estudo e por isso omitiu alguns dados, como a foto. Mais tarde, decidiu abandonar o Par Perfeito e ingressar em uma rede estrangeira, o eHarmony, na qual poderia inserir-se sem correr tanto perigo de encontrar conhecidos. Ela havia achado alguns no site brasileiro. O que a fez decidir por este em específico foi o fato de não ser o usuário quem escolhe os pretendentes e sim o próprio site, que calcula a cara metade do internauta baseado em um questionário. Nas perguntas, ela tinha que marcar “caixinhas” dizendo quais tipos de hábitos não suportava, entre outras questões. O perfil psicológico e as preferências sociais eram analisadas e o site juntava as mentes parecidas. De fato, Cristiane se viu no meio de pessoas interessantes e similares a ela. No novo endereço conheceu pretendentes que talvez nunca conheceria fora da web, como um soldado americano em missão no Afeganistão e um executivo do ramo tecnológico. Em somente um caso as fronteiras do virtual foram vencidas. Ela conheceu Chris, um cientista da Califórnia que viria ministrar algumas palestras no Rio de Janeiro. Os dois compartilhavam o gosto pela pianista argentina Martha Argerich e pelo escritor americano Jonathan Safraer Foer e muitos outros pontos convergentes. Embora aparentemente tenham sido entendidas pelo algoritmo do eHarmony como almas gêmeas, no mundo real ainda imperam as leis da química e eles não se interessaram emocionalmente um pelo outro.

A inquietação sobre a procura das pessoas pelo amor na rede culminou no projeto cuja realização foi auxiliada pelos alunos de sua disciplina “Jornal Laboratório”. Os pesquisadores deveriam criar perfis em diversos sites de relacionamento e realizar contatos dentro dele. Interação esta que ela orientou a ficar somente atrás do computador. Cristiane e seus alunos descobriram redes para evangélicos, gays, gordos, casados buscando relações extra-conjugais, toda a sorte de grupos que também existem aqui fora e procuram por algo específico, mostrando uma segmentação de público existente na web tanto quanto na esfera física. O Pew Researcher Center é uma organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos que estuda questões acerca da população do país e seu comportamento. Em 2013, eles conduziram uma pesquisa sobre as experiências dos norte-americanos na paquera virtual. O assunto veio sendo estudado desde o ano de 2005 e acompanhou o crescimento da adesão do público. Segundo os resultados, um entre dez adultos de 18 anos ou mais tinham utilizado sites ou aplicativos de namoro; 66% já haviam se encontrado com alguém que conheceram por esses meios; e 23% acharam cônjuge ou companheiro de longa data.

Rafaela Pereira é uma jornalista carioca de 38 anos formada pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha). Um dia, ligou seu smartphone e resolveu fazer o download de um aplicativo diferente. Ela não achou ruim, afinal, vários de seus amigos também estavam naquele “lugar”. Na tela, o símbolo de uma chama coral vem acompanhada de um nome incomum, aparentemente sem significado. “Por brincadeira, eu entrei no Tinder”, antecipa. O login é feito pelo Facebook. Ao se inscrever, o algoritmo pega os dados e mostra informações básicas, como nome (sem o sobrenome), idade e algumas fotos. Ao clicar no logotipo, outros perfis masculinos (entre outras opções, a pessoa pode escolher se procura homens, mulher ou ambos) também são “sorteados” pelo algoritmo e dois ícones decidem se você gosta ou não da pessoa. O “x” vermelho indica que o pretendente não foi aprovado e o coração verde diz o contrário. Quando dois usuários clicam no coração um para o outro, o aplicativo imediatamente abre um bate-papo privado e eles podem assim conversar. Nesse “supermercado de gente”, perto de um mês depois de baixar o Tinder, Rafaela conheceu o português Peter John, um engenheiro radicado no Rio de Janeiro. À primeira vista, as fotos não a agradaram a ponto de um interesse emocional, mas ele fazia com que ela se lembrasse de suas raízes lusitanas. A possibilidade de fazer um novo amigo com assuntos em comum a fez apertar a cor verde.  Em seguida, a frase “it’s amatch”(É uma combinação, em tradução livre) pulou no ecrã. Peter não estava ali à procura de uma namorada, mas quando viu Rafaela se sentiu diferente e disposto a tentar. As conversas então migraram para o Whatsapp. Os dois casaram este ano.

Eva Illouz discute no livro intitulado “O amor nos tempos do capitalismo” a questão do sentimento do homem moderno. Nele, a socióloga refere-se à questão da internet como um desvio ao conceito de amor presente nos séculos XIX e XX. A cultura antiga previa o gostar como algo espontâneo, que estava atrelado ao âmbito do encontro pessoal, do olhar. O que a internet fez foi tirar a responsabilidade do cupido, a figura mitológica de um anjo cuja flecha acerta o escolhido de forma avassaladora, para colocar nas mãos da própria pessoa a possibilidade de escolha de quem ela vai se apaixonar.“A grande questão é saber se a internet virou um espaço público. No sentido que originalmente era a praça, a rua”, diz Cristiane Costa. Segundo ela, as pessoas hoje buscam tudo na internet, compram roupas, realizam operações do banco, ou seja, estão utilizando a web como um ambiente, mesmo que virtual. Então o caminho natural é também encontrar alguém na internet. E, com os dispositivos móveis, as pessoas te passando mais tempo em rede e não falo só de wi-fis, falo das redes pessoais, família, amigos, conhecidos, desconhecidos. No caso dos sites de namoro, são duas pessoas com o mesmo objetivo em comum disponíveis para se encontrarem. “Isso não é muito fácil de sacar no mundo físico”, completa. Ela diz ainda que não acha muito diferente de esbarrar com um desconhecido em uma festa. “Talvez se conheça mais da pessoa (online) do que conhecer do zero”, diz, com um ar pensativo. Ao fazer um perfil no Facebook, ou postar um comentário em uma matéria, ou até mesmo compartilhar uma música, os internautas deixam rastros que os identificam na rede. De acordo com a especialista, é muito fácil hoje em dia achar essas pistas e verificar uma possível veracidade das informações passadas pelo próprio indivíduo. “Você estranharia alguém que não existe no Google”, afirma. Outro aspecto é a limitação do real imposta pelas barreiras físicas. Navegando na web é possível estar no Brasil e fazer um amigo no Japão, ou seja, os horizontes são ampliados de maneira gigantesca. É perfeitamente comum e possível fazer amigos em diferentes cantos do mundo sem ter ao menos viajado de avião uma única vez.

O primeiro ponto de um contato pessoal é a aparência. Na internet, apesar de muitas vezes constarem fotos dos usuários, o maior critério é o que a pessoa apresenta em seu interior, ou seja, primeiro se conhece os costumes, gostos em comum e divergentes, projetos, uma intimidade que demandaria tempo no mundo real. A web possibilita todo esse conhecimento de uma forma rápida, sem precisar levantar da cadeira. Alguns julgam que as pessoas têm se escondido atrás dos seus computadores e dispositivos móveis, mas, aparentemente, elas estão escondidas atrás de uma tela olhando e interagindo umas com as outras. É diferente do tempo no qual olhávamos nos olhos, sim. Agora passamos a olhar o todo e não somente partes. Ainda somos pessoas atrás das máquinas e temos sentimentos que, vez por outra compartilhamos com quem está disposto a ver e ouvir. Se estamos trocando experiências, estamos vivendo e convivendo juntos. E nisso o amor pode surgir. Talvez a dois cliques de distância.